domingo, 8 de dezembro de 2013

OS PRIMEIROS CATEQUISTAS DO CEARÁ

A 20 de janeiro de 1607, num pequeno barco que carregava sal de Mossoró para Pernambuco, embarcaram para as terras do Ceará, que, pouco antes, Pero Coelho de Sousa explorara, tendo fim trágico, dois jesuítas portugueses: os padres Francisco Pinto e Luís Figueira, ambos de grandes virtudes pessoais e incansável zelo apostólico. Por sugestão do governo colonial, a conquista espiritual vinha ensaiar suas forças numa terra que resistira à conquista das armas.

Das salinas de Mossoró, os dois sacerdotes, acompanhados de alguns portugueses e de muitos índios cristianizados, caminharam a pé ao longo da costa ate as praias do Mucuripe e do Ceará, onde se estabeleceram, depois de fazerem pazes com um morubixaba de grande prestigio na região, o famoso chefe Amanaí, que os cronistas chamam, traduzindo-lhe o nome em vernáculo, Algodão. Pregando habilmente a religião, converteram inúmeros selvagens e, auxiliados por eles, fundaram no seio das tribos da redondeza, que acampavam à margem de lagoas ou na aba das serras próximas, quatro aldeias ou reduções, que ainda hoje existem na toponímia local: Pitaguari, na Aratanha, Caucaia, Paupina e Parangaba, vilas antigas e agora subúrbios de Fortaleza.

Quando o marquês de Pombal expulsou os jesuítas do Reino e seus domínios ultramarinos, ordenou a mudança dos nomes tupis dessas velhas aldeias indígenas para denominações lusas. Caucaia foi crismada em Soure, Paupina em Messejana, Parangaba em Arronches e Pitaguari em Santo Antônio. No decurso do tempo, os topônimos Soure e Messejana firmaram-se, mas o de Arronches caiu e o de Santo Antônio se tornou Santo Antônio do Pitaguari.

Nessas aldeias, os padres Pinto e Figueira reuniram os restos das tribos dos Caucaias, Paupinas e Parangabas, todas elas da nação Potiguara, que tinham sido arrastadas e desfalcadas nos vaivéns da conquista de Pero Coelho de Sousa, de 1603 a 1606. Findos tão ásperos trabalhos, deixando essas reduções a funcionar normalmente, os dois jesuítas continuaram a marcha, litoral cearense afora, ate o Paramirim, hoje Parnamirim, de onde cortaram o sertão rumo a Serra Grande ou Ibiapaba, que foram alcançar na região habitada pelos índios Ipus, onde existe a cidade que lhes conserva o nome. Depois de os evangelizar, subiram a serrania e tomaram contato com os Tabajaras, que os apelidaram abaúnas, homens pretos. Apresentou-se-lhes, dificílima tarefa. Encontravam-se no seio da maior taba daquelas paragens, espécie de capital das nações indígenas aliadas aos franceses que se haviam oposto à avançada de Pero Coelho de Sousa em 1604 e sido vencidas. Era ali a Ararema, a Grande Taba a que se refere Claudio de Abbéville.

A indiada, ressabiada ainda pela derrota, recebeu-os com grande desconfiança. Que desejavam esses homens vestidos de preto e de tão mansas palavras que lhe falavam dum Deus desconhecido, cuja brandura, sacrifício e misericórdia dificilmente impressionariam suas índoles batalhadoras? Que vinham fazer em seguimento àqueles arcabuzeiros terríveis que os haviam antes metralhado, aprisionando e escravizando grande número de seus companheiros?

Alguns franceses escapos a esses combates da serra, quando ali tinham chegado os portugueses de Pero Coelho de Sousa, não se haviam retirado para o Maranhão com seu chefe, o aventureiro Adolfo Montbille, mas permaneciam no meio do gentio e o incitavam às escondidas, manhosamente, contra os catequistas. Todavia, estes conseguiram com ingentes esforços erigir um nicho ou capela, onde diziam missa, pregavam e batizavam.

A 11 de janeiro de 1608, justamente na hora da missa, foram inopinadamente atacados por um bando feroz de Tacarijus, índios tributários dos Tabajaras, que frecharam o padre Pinto e o acabaram de matar a golpes de tacape, ao pé do altar. O padre Figueira conseguiu fugir, salvando-se milagrosamente, escondido nos matos durante longos dias. Ajudado por alguns Tabajaras ou Ipus amigos, varou os sertões inóspitos a custa de grandes sacrifícios e alcançou as aldeias do litoral cearense, onde o chefe Algodão o acolheu e confortou. A noticia dos sucessos da Ibiapaba fora levada ao governador Diogo de Campos Moreno, que mandou um navio a enseada do Mucuripe especialmente para conduzir o padre Figueira a Pernambuco.

Passando o furor dos Tacarijus assassinos, os índios mansos trouxeram numa rede para a aldeia da Paupina, atual Messejana, o corpo martirizado do padre Pinto, ali o sepultando piedosamente. Na vida e na morte, cercou-o a veneração filial dos Potiguaras. Chamavam-lhe carinhosamente Pai Pina e imploravam sua intervenção milagrosa nas moléstias e enfermidades. Rogavam-lhe mesmo que fizesse chover, quando a seca ameaçava torrar-lhes as roças. Era o seu santo e o seu patrono no Céu. Juravam mesmo por ele.

Os próprios Tabajaras, entre os quais perecera por sua cumplicidade com os Tacajirus tributários, insuflados pelos franceses, guardaram a memória da sua pregação e da sua bondade. Deles se transmitiu aos mestiços da região de Crateús, do Ipu e do rio Poti a lenda de que um litóglifo ou inscrição rupestre existente numa laje da Ibiapaba, com a forma de pé humano, é a pegada indelével do grande missionário. Assim, a lembrança do jesuíta ficou marcada para sempre nas páginas iniciais da história do Brasil.

A morte do companheiro e a terrível provação por que passara no Ceará não entibiaram no padre Luís Figueira o zelo apostólico. Continuou a salvar para Nosso Senhor Jesus Cristo as almas primitivas da indiada bárbara. Escreveu uma gramática da língua tupi, a fim de facilitar a ação de outros catequistas entre os selvagens, e procurou atuar em cenário mais vasto do que o Ceará, penetrando no seio das nações selvagens da Amazônia. Vinte nove anos depois de ter sido o padre Francisco Pinto trucidado pelos Tacarijus da Ibiapaba, em 1637, o padre Luís Figueira encontrou idêntica morte, ad majorem Dei gloriam. No famoso naufrágio de Pedro de Albuquerque, no rio das Amazonas, foi frechado e acabado a tacape pelos Aroans.

Os jesuítas marcaram a sua passagem pelas ínvias terras brasileiras, nos Séculos XVI e XVII, com o próprio sangue. A Nação deve um grande e expressivo monumento aos abaúnas que lançaram as fecundas sementes de sua cultura nas terras virgens, entre as tribos bárbaras.







- Gustavo Barroso em À MARGEM DA HISTÓRIA DO CEARÁ, editado em 1962 pela UFC, tendo sua segunda edição, em 2004, de onde foi copiado este capítulo, sob os auspícios da FUNCET-PMF.

Gustavo Dodt Barroso, que nasceu em Fortaleza em 1888, foi advogado, político, contista, museólogo, folclorista, ensaísta, cronista, arqueólogo, memorialista e romancista. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi o criador do Museu Histórico Nacional, em 1922, por ocasião das comemorações do Centenário da Independência, iniciativa do então presidente Epitácio Pessoa, tendo dirigido a instituição desde a fundação até a sua morte, em 1959.

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O DESCOBRIMENTO DOS DINOSSAUROS


Nos primeiros anos da década de 1880 conseguiram unir os esqueletos de Iguanodonte recolhidos em Bernissart. Para montar o primeiro grande esqueleto utilizou-se um andaime de madeira do qual eram pendurados com cordas os ossos.

Muito antes que se começasse a estudar seriamente os dinossauros as pessoas escavavam os seus restos. O doutor Dong Zhiming, cuja autoridade no campo dos dinossauros chineses é reconhecida, trabalha no Instituto de Paleontologia vertebrada da Universidade de Pequim, e recentemente informou que os dentes de dinossauro (aos quais os chineses chamam de “dentes de dragão”) já eram conhecidos no século XVI antes de Jesus Cristo; inclusive existem provas escritas do descobrimento de “ossos de dragão” no século III da nossa era em zonas da China famosas na atualidade, após recentes investigações, pela sua riqueza em restos de dinossauros.
Muito antes que o professor Richard Owen reconhecesse os dinossauros como grupo e lhes designara um nome, outras pessoas tinham procurado o caminho que o levaria ao seu descobrimento. Embora não soubessem muito bem o que tinham nas mãos, seu trabalho não deve ser ignorado. Eram pessoas de grande inteligência, ávidas por saber e cheias de energia, entregues a luta para encontrar sentido a uns quantos fósseis.

Conjeturas baseadas nos ossos

A ilustração de Robert Plot mostra claramente um osso de dinossauro. A fratura na parte superior deixa ao descoberto a medula do fóssil original. Mas em 1677 ainda não se conhecia a existência dos dinossauros e o osso foi classificado erroneamente como "Scrotum Humanum".

Em 1677 Robert Plot, professor de química na Universidade de Oxford, publicou a sua obra “The Natural History of 0xfordshire, being an essay toward the Natural History of England”. Neste livro Plot descrevia o extremo inferior de um fêmur gigantesco (a parte que formaria a metade superior da articulação do joelho), encontrado em uma canteira em Cornwell, no condado de Oxford. Plot descreveu o osso com detalhe, excluindo toda possibilidade de que se tratasse de qualquer classe de objeto de pedra, pois pelo extremo superior já fraturado havia constância da formação esponjosa típica de um osso, assim como de uma cavidade medular interna. Contente com a demonstração de que era um osso, para ser mais exatos, de um petrificado, tentou identificar a criatura qual tinha pertencido. A sua conclusão foi a seguinte: “... deve ter pertencido a algum animal de tamanho superior a um boi ou a um cavalo e de ser assim - afirmam quase todos os outros autores em um caso parecido - provavelmente fosse o osso de um elefante, trazido aqui durante o governo dos romanos na Grã-Bretanha”. Esta conclusão também não respondia às suas dúvidas, pois não encontrou nenhum documento histórico que testemunhasse a chegada de elefantes a Grã-Bretanha através dos romanos.
Mas finalmente pôde pôr à prova a sua hipótese de forma cientifica, pois no ano 1676 teve a oportunidade de examinar o esqueleto de um elefante que tinha sido transladado a Oxford. Os ossos eram diferentes da amostra encontrada em Cornwell, e portanto decidiu que estava diante do fêmur de um gigante humano. A ilustração que Plot realizou deste osso permite identificá-lo como o extremo inferior do fêmur de um Megalosaurus, dinossauro carnívoro cujos ossos encontraram-se em rochas do condado de Oxford pertencentes ao jurássico médio.
Um abade francês chamado Dicquemare, que vivia perto da costa normanda e tinha como afeição colecionar curiosidades da natureza, publicou em 1776 um informe sobre uns fósseis que tinha recolhido ao pé dos alcantilados conhecidos na região como Vaches Noires (Vacas Negras). Entre as varias conchas e fragmentos ósseos parece ter descoberto os ossos pertencentes à pata de um dinossauro, conforme se pode deduzir da descrição detalhada que escreveu. Lamentavelmente não fez nenhum desenho e não se pôde seguir a pista deste osso de nenhuma maneira. Alguns anos depois, outro clérigo, Bachelet, recolheria mais amostras na costa normanda para doá-las posteriormente ao Museu Nacional de Paris. Georges Cuvier (de quem nos ocuparemos em breve) encarregou-se em 1808 de descrever e ilustrar estes exemplares, identificando-os como os restos de dois tipos diferentes de crocodilo fóssil. Com posterioridade averiguar-se-ia que os restos de um deles correspondiam realmente a um dinossauro. O professor Philippe Taquet, do Museu Nacional de Paris, divulgou estas amostras dos depósitos do museu e que estão constituídas por uma série de vértebras da espinha dorsal de um Streptospondylus, dinossauro carnívoro de finais do jurássico.
Ao outro lado do Atlântico também se produziam descobrimentos similares no final do século XVIII. Em New Jersey eram encontrados ossos de grande tamanho, e em 1787 o doutor Caspar Wistar e Timothy Matlack apresentavam um informe à Sociedade Filosófica Americana, na Filadélfia. A partir desse momento, foram encontrados restos de hadrosssauros nas rochas desta zona, pelo que é provável que fossem ossos de dinossauro. De forma parecida, o explorador William Clark anotava em 1806 no seu diário o descobrimento do que certamente era o osso pertencente à pata de um dinossauro às margens de um rio perto de Billings, no estado de Montana; esta zona também foi fértil em restos fósseis de dinossauros. Mas até 1820 não seriam divulgadas na América as primeiras amostras indiscutíveis de dinossauros acompanhadas de uma descrição. Encontraram-se em rochas do principio do jurássico no Connecticut Valley e um tal Solomon Ellsworth as descreveria no American Journal of Science (Revista Americana da Ciência) como restos humanos. Os ossos conservam-se ainda hoje nos depósitos do Yale Peabody Museum e pôde ser identificada a sua pertença a um dos primeiros dinossauros, o Anchisaurus.

Primeiras marcas

Outro descobrimento igualmente curioso que encontramos nos anais é o de umas marcas de grande tamanho de patas providas de três dedos, parecidas às das aves, descobertas por Pliny Moody nas suas propriedades da cidade de South Hadley, em Massachusetts. Ignoradas, a não ser pela sua consideração como particularidade local, estiveram relegadas durante mais de três décadas, ate que foram objeto de uma detalhada análise realizada pelo professor reverendo Edward Hitchcock, do Amherst College, entre meados das décadas de 1830 e 1860. Hitchcock apoiava a tese de que as milhares de marcas que recolhia e examinava pertenciam a antigas aves gigantescas, embora agora parecesse evidente que eram restos da presença de dinossauros.



O método cientifico de Cuvier

O primeiro estudo realmente completo de ossos fossilizados foi levado a cabo pelo barão Georges Cuvier (1773-1838), famoso cientista francês. A partir de 1799 trabalhou em Paris como anatomista do Jardim des Plantes, conhecido também como Museu Nacional de Historia Natural. Foi um dos pensadores mais eminentes e revolucionários da sua época; acreditava que todas as formas de vida animal se ajustavam a um número limitado de modelos criados por Deus e também que a forma dos diferentes ossos se correspondia à função vital (testes animais: por exemplo, se o animal em questão corria, caminhava, voava ou nadava. Com estes princípios em mente, Cuvier estudou e dissecou um grande número de animais. Reparou que compreendendo os ossos dos animais vivos podia desenvolver um método para averiguar o aspecto dos animais fósseis, cujos restos são só peças ósseas inconexas e mal conservadas. Esta técnica denomina-se anatomia comparativa, pois requer a comparação entre diferentes classes de animais com o proposito de entender a finalidade dessa forma.
Cuvier conseguiu rapidamente uma reputação internacional como o anatomista da sua época possuidor dos maiores conhecimentos. Mediante a análise de fósseis recolhidos em diferentes partes do mundo (a sua atenção centrou-se particularmente nos elefantes) pôde demonstrar que alguns animais tinham-se extinguido em algum momento da historia do planeta. Esta ideia era revolucionaria para o seu tempo, pois afetava diretamente visão religiosa segundo a qual Deus tinha povoado o mundo com as suas criaturas e não permitiria que nenhuma desaparecesse.
A seguinte aportação crucial ao crescente interesse pelos fósseis chegou através de um despojo de guerra napoleônico. Em 1795 o exercito republicano francês ocupava a cidade de Maastricht, no sul da Holanda e apos o saqueio levou consigo um troféu nada usual. Tratava-se de uma lousa de ardósia encontrada em uma canteira local ha poucos anos; nela encontravam-se a mandíbula e os ossos do crânio de uma criatura gigante. O fóssil foi transportado ao Jardim des Plantes, onde Cuvier teve a oportunidade de estudá-lo. Pôde identificar o animal como um lagarto extinto, agrupado com os gigantescos lagartos monitores dos trópicos; mas este não era um lagarto qualquer, era descomunal: só a sua cabeça media 1,2 metros de comprimento. Posteriormente o reverendo W. D. Conybeare, geólogo inglês, dar-lhe-ia o nome de Mossasaurus (literalmente “lagarto de Mossa”), fazendo alusão à zona da qual procedia. Em vida era um lagarto marinho gigantesco, com uma comprida e potente cauda e patas em forma de remo que lhe serviam para nadar.


Graças a estes dois descobrimentos de enorme transcendência, Cuvier demonstrou que os fósseis ofereciam interesse não só por serem tão diferentes dos animais atuais, mas também porque poderiam divulgar algumas criaturas realmente excepcionais. A visão que Cuvier tinha do tema fez-se muito notória depois de que publicasse uma serie de livros, Recherches sur les Ossemens fossiles, que com o tempo converter-se-ia na obra primordial para aspirantes a paleontólogos e estudiosos da anatomia comparativa.

William Buckland e o Megalosaurus

William Buckland (1784-1856) foi um homem extraordinário e de grandes dons. Não só foi um clérigo ilustre - seria nomeado dignitário eclesiástico de Westminster -, mas também foi o primeiro professor de geologia em Oxford. Pouco antes de 1818 descobriu-se um lote de ossos e mandíbulas dentadas fósseis de grande tamanho na canteira de ardósia do povoado de Stonesfield, ao norte do condado de Oxford. Buckland recebeu estes fósseis para a sua identificação. Em 1817 e 1818 Cuvier realizava as suas primeiras visitas à Inglaterra e viajou a Oxford para reunir-se com Buckland e examinar os novos fósseis. Para Cuvier não havia dúvidas de que Buckland possuía os restos de um novo réptil gigante até agora desconhecido e que, além disso, era bastante parecido aos fósseis de Normandia que ele mesmo tinha descrito como crocodilos. Buckland publicou um informe sobre estes descobrimentos em 1824 nas Atas da Sociedade Geológica de Londres, batizando-o como Megalosaurus (“grande lagarto”).

As mandíbulas e os dentes do Megalosaurus foram descritos detalhadamente por Willian Buckland. Estes restos eram muito diferentes dos do mossasauro de Cuvier e levaram-lhe a pensar que talvez se tratasse de um depredador réptil do tamanho de um elefante e de habitat terrestre. O grande dente curvo que sai da mandíbula tem o canto muito afiado em forma de serra, ideal para cortar carne.

O Megalosaurus estava muito pouco completo. Os seus restos limitavam-se a uma mandíbula dotada de grandes dentes em forma de pá, algumas vértebras, ossos do ombro, parte da anca e alguns ossos da pata traseira. Mas já era muito mais do que cientistas anteriores tinham conseguido em cima das suas mesas de trabalho. Buckland sugeriu que o Megalosaurus seria um lagarto depredador extinto, uma proposta parecida à que tinha sido feita por Cuvier sobre o crânio fóssil de Maastricht. Cuvier também tinha advertido Buckland de que este animal, a julgar pelo tamanho dos ossos correspondentes às patas traseiras, poderia ter superado os doze metros de longitude, com um tamanho parecido ao de um elefante, isto é, dois metros de altura. Pode ser que Buckland não soubesse que tinha diante de si um dinossauro, mas era certo que o animal não tinha muitas semelhanças com os lagartos dos nossos dias.
Buckland fez também referencia no seu informe a outro cientista do momento, interessado também nos fósseis: o doutor Gideon Algernon Mantell. Mantell também tinha descoberto ossos de megalossauro, alguns inclusive maiores que os de Buckland.

Gideon Mantell e o Iguanodonte

Gideon Algernon Mantell (1790-1852), um medico afincado em Lewes, na costa meridional inglesa, era, além disso, um geólogo entusiasmado e grande parte do seu tempo livre era dedicado à exploração do terreno circundante e a recolher fósseis, abundantes na zona. Em 1822 publicou um livro: Fósseis dos South Downs. Nele se incluíram informes de alguns dentes fossilizados pouco comuns, com arestas e alguns deles muito desgastados, encontrados nas canteiras do Bosque de Tilgate. Na sua tentativa de identificar estes dentes tinha consultado todos os expertos britânicos em fósseis. Buckland acreditava que se tratava dos incisivos de algum peixe de grande tamanho, enquanto que outros os consideravam dentes de mamíferos de época relativamente recente cujos restos se tinham misturado com rochas mais antigas. Insatisfeito com qualquer uma destas explicações, Mantell enviou algumas amostras a Cuvier em junho de 1824. Esse mesmo mês obteve resposta de Cuvier na qual este apoiava firmemente a opinião de Mantell, descartando qualquer possibilidade de que essa dentadura pertencesse a um peixe e sugeria que poderia tratar-se de um grande réptil herbívoro desconhecido até o momento. Cuvier publicou uma breve resenha sobre estes restos no volume de Ossemens fossiles de 1824, destacando a sua leve semelhança com os incisivos desgastados de um peixe grande ou de um mamífero como o rinoceronte, embora a sua conclusão fosse a provável pertença destes restos a um réptil.
Mais adiante, nesse mesmo ano, Mantell teve mais fortuna. Ao visitar o Museu do Real Colégio de Cirurgiões de Lincoln's Inn Flelds, em Londres, mostraram-lhe um esqueleto de iguana que acabavam de reconstruir. Embora os dentes deste lagarto caribenho fossem diminutos em comparação com o dente fossilizado, a forma era muito parecida e, além disso, era um réptil herbívoro. No seu informe sobre os fósseis nas Atas Filosóficas da Real Sociedade de 10 de fevereiro de 1825 denominou o animal de Iguanodonte (“dente de lguana”), como lhe havia sugerido o reverendo William Conybeare (quem também tinha cunhado os termos Megalosaurus e Mosasaurus). Após a comparação dos dentes fossilizados com os do iguana, Mantell concluiu que o Iguanodonte teria sido inclusive maior que o Megalosaurus e sugeriu uma longitude de dezoito metros.


É curioso comprovar que William Smith, criador dos primeiros mapas geológicos da Inglaterra, já se tinha abastecido da canteira da qual se abastecia Mantell. Em 1978 o doutor Alan Charig livrou do pó dos depósitos do Instituto de Ciências Geológicas - na atualidade parte do Museu de História Natural de Londres - uma coleção de fósseis recolhidos em 1809 por Smith em Cuckfield. Entre as muitas peças fragmentadas e de escasso valor encontra-se uma porção muito característica da pata inferior do lguanodonte. William Smith não foi consciente da importância deste descobrimento, mas parece ser o primeiro resto autenticado deste dinossauro.
Em 1833 Mantell encontrou outro réptil gigante nas canteiras do Bosque de Tilgate. Deste, que recebeu o nome de Hylaeosaurus (“lagarto do bosque”), ficavam restos da metade dianteira e parecia ser um animal consideravelmente inferior em tamanho ao Iguanodonte; por outra parte dava testemunho de ter estado dotado de grandes vértebras pontiagudas que percorreriam todo o comprimento das costas. Um ano depois os trabalhadores de uma canteira de Maidstone, no condado de Kent, descobriam um esqueleto incompleto de Iguanodonte.
Esta nova amostra permitiu que Mantell fizesse a primeira tentativa de reconstrução do Iguanodonte assistido por William Clift, conservador do Museu do Real Colégio de Cirurgiões. O resultado mostrava de forma clara as marcadas proporções do lagarto que se atribuíram a esta criatura. A ponta que coroa o focinho nesta ilustração foi realizada pelo próprio Mantell depois de encontrar em Tilgate um curioso osso cônico, uma forma muito similar ao corno que têm algumas iguanas no focinho.

Richard Owen e os dinossauros

Em 1827, quando Mantell estava mais ocupado com os seus primeiros descobrimentos do Iguanodonte, Richard Owen - que tinha vinte e três anos de idade - recebeu o cargo de ajudante de William Clift no Museu do Real Colégio de Cirurgiões de Londres. Uma das suas primeiras tarefas consistiu em dissecar e descrever os diversos animais que morriam no Zôo de Londres (o jardim Zoológico, como era chamado então).
Owen ocupou em 1837 a vaga de professor de anatomia comparada e começou a publicar um grande número de artigos científicos sobre restos fósseis de mamíferos e répteis. Foi nesta época quando passou pela sua cabeça realizar um estudo de todos os répteis fósseis da Grã-Bretanha conhecidos até o momento e fez a proposta à Associação Britânica para o Avanço da Ciência, em 1838. Aceitaram patrocinar o seu trabalho e durante os anos seguintes percorreu todo o país procurando e descrevendo os restos fossilizados de répteis. Em 1839, Owen apresentou o seu primeiro informe sobre os Enaliossáurios, ou “lagartos marinhos”, à Associação. No dia 30 de julho de 1841 pronunciou a leitura da segunda e última parte do seu estudo no undécimo encontro da Associação.
A grande aportação do discurso de Owen foi, sem sombra de dúvida, a descrição e apresentação do termo “dinossauro” como “réptil terrível”. Este novo grupo compreendia três classes de fósseis répteis: o Megalosaurus de Buckland e os Hylaeosaurus e Iguanodonte de Mantell. Owen não via neles somente características compartidas com os lagartos, como foi aceito pela maioria (a amostra gráfica é a primeira ilustração de Iguanodonte realizada por Mantell), mas uma surpreendente mistura de características: costelas abdominais, como as dos crocodilos; a sua elevada altura; o comprimento e feitio das vértebras, totalmente anômalas; o sacro (osso formado por cinco vértebras soldadas situado na parte inferior da coluna vertebral) aderido à pélvis, como nos mamíferos; ossos das extremidades longos e vazios com processos (salientes) para a fixação do músculo, o que indicava que estes animais se deslocavam pela terra, como os mamíferos; os ossos correspondentes aos dedos das patas, que além de afiadas garras tinham uma forte semelhança com as de pesados mamíferos viventes, como o rinoceronte, o elefante e o hipopótamo, novamente uma característica dos mamíferos; complexos ossos dos ombros, como no caso dos lagartos; e dentadura de tipo intermediário: os dentes do Megalosaurus estavam contidos em alvéolos (buracos da mandíbula), como os dos crocodilos, enquanto os do Iguanodonte e o Hylaeosauros eram mais parecidos com os dentes dos lagartos.
A visão retrospectiva vai inevitavelmente acompanhada por uma maior sabedoria e permite constatar que Owen omitiu alguns outros dinossauros que apareciam no seu informe e simplesmente fez referência a um grupo de répteis que Cuvier tinha qualificado como “extraordinários”, dezessete anos antes. Em 1824 Cuvier tinha advertido Buckland da semelhança de constituição e proporções entre o Megalosaurus e um elefante de tamanho médio. Nesse mesmo ano, como vimos, Cuvier tinha feito uma atrevida sugestão a Mantell, que este publicou no seu artigo de 1825: os dentes e ossos que acabava de descobrir em Tilgate pareciam representar os restos de um réptil herbívoro gigantesco, comparável aos grandes mamíferos herbívoros da atualidade.

A reconstrução do Megalosaurus de Owen repousava em escassas provas: a mandíbula inferior, algumas costelas, um osso do pé, a anca e um fêmur. Apesar disso conseguiu recriar esta criatura parecida a um urso.

Owen deu um impulso a esta ideia proporcionando um nome oficial a estes lagartos mastodônticos e dotando-os de uma imagem; as cartas deste jogo eram a sua reputação como cientista e o método comparativo desenvolvido por Cuvier. Mas era um jogo arriscado e se ao princípio valeu a pena, no final não pôde manter-se em pé corno teria sido necessário.
Owen também parece ter tido segundas intenções na sua decisão de recriar os dinossauros, o que explicaria a audácia demonstrada em 1841. O que fazia era se opor a uma forte corrente de opinião, bastante comum entre alguns anatomistas franceses e britânicos, no que se refere ao tema da evolução animal (ou “transmutação”, como era denominada naquela época). Esta corrente em particular, apoiava-se na observação, após a análise dos fósseis, da progressiva complexidade das formas de vida com o passar do tempo; chamou-se a isto movimento “progressionista”. Owen estava em profundo desacordo com esta filosofia e acreditava que os dinossauros permitiriam-lhe demonstrar quão errôneo era este argumento. Defendeu que os dinossauros eram anatômica e fisiologicamente muito superiores aos répteis que podemos ver hoje em dia. Os répteis modernos, defendia, são formas degeneradas se os comparamos com os esplêndidos dinossauros répteis do mesozoico.
No sumário que acompanha o seu informe de 1841 Owen especulou sobre a possibilidade de que a atmosfera do mesozoico tivesse um menor conteúdo de oxigênio e favorecesse mais os répteis que os mamíferos ou aves por terem aqueles menor necessidade energética que estes. Não obstante, sugeriu, é provável que a vida dos dinossauros fosse superior neste aspecto à de grande parte dos répteis, pois teriam um coração dividido em quatro câmaras, de forma parecida a mamíferos e aves e acrescentou que provavelmente «... pela sua melhor adaptação à vida terrestre se tivessem beneficiado do funcionamento de um centro tão organizado de circulação (o coração) em um grau bastante próximo ao que caracteriza na atualidade os vertebrados de sangue quente (ou seja, mamíferos e aves).»
E assim terminou Owen o seu informe, antecipando com grande audácia e dons de clarividência os enfrentamentos fisiológicos que se produziriam no estudo dos dinossauros durante os últimos vinte anos: se os dinossauros eram animais “de sangue frio” ou “de sangue quente”. Também proporcionou sem sabê-lo uma das primeiras teorias que explicaram o desaparecimento dos dinossauros: uma ascensão do nível de oxigênio da atmosfera (ou bem a atmosfera viu-se “fortalecida” de alguma outra forma) até que as novas condições se tornaram insuportáveis para estes répteis.
A oportunidade de dotar os dinossauros de uma essência autêntica e duradoura foi brindada a Owen de forma inesperada em 1852, quando teve a oportunidade de colaborar com Benjamin Waterhouse Hawkins no desenho a escala real das reproduções para o Parque do Palácio de Vidro em Sydenham.


O visitante atual ainda pode comprovar quão imponentes são estas reproduções, mas estão longe de serem fiéis à realidade. Os gigantescos monstros de grossos membros mostram ainda bastantes reminiscências dos paquidermes contemporâneos (dotados de uma pele muito grossa) como o rinoceronte, a não ser por terem uma pele repleta de escamas e caudas de répteis bastante compridas. É este particularmente o caso do Iguanodonte de Mantell, do qual existem expostas duas reproduções, cada uma delas decorada com um chamativo corno na ponta do focinho. O Megalosaurus parece um urso de grande tamanho e com o focinho alongado, enquanto o Hylaeosaurus parece ser uma versão mais esbelta do Iguanodonte, com uma coluna vertebral coberta de espinhos em troca de perder o infamante corno nasal.
É bastante fácil a estas alturas rirmos dos dinossauros de Owen, como fez o paleontólogo norte-americano O. C. Marsh quando visitou a Inglaterra em 1895, três anos depois da morte de Owen. “Até onde alcança o meu juízo, não há nada igual nem no céu, nem na Terra, nem nas águas por debaixo da Terra. Agora temos provas evidentes de que tanto o Megalosaurus como o Iguanodonte eram bípedes, e representá-los a gatas, a não ser na sua mais terna infância, seria tão incongruente como fazer o mesmo com os hominídeos.”
Nos anos posteriores a Owen, que certamente estava no zênite da sua atividade intelectual a meados dos cinquenta, viu a sua concepção dos dinossauros deslocada gradualmente por novos descobrimentos de esqueletos mais completos destes répteis. No caso dos dinossauros a estrutura corporal era radicalmente diferente de qualquer conclusão à que ele teria podido chegar; esta é a razão de que os dinossauros de Owen pareçam tão antiquados.

OS DINOSSAUROS APÓS OWEN

Pouco depois de que as reproduções de Owen tivessem chegado ao seu fim, começaram a produzir-se sucessivos descobrimentos de restos de dinossauros na América do Norte. Muitos anos antes tinham sido encontradas marcas, mas os primeiros descobrimentos que conduziam a descrições propriamente científicas foram realizados por Ferdinand Vandiveer Hayden em 1855 no transcurso de uma expedição ao que na atualidade é o leste de Montana. Em uma zona próxima à confluência dos rios Judith e Missouri encontraram-se uns dentes nada comuns nas rochas cretáceas e foram levados a Joseph Leidy (1823- 1897), professor de Anatomia na Universidade de Pensilvânia.
Leidy publicou breves descrições destas peças no ano seguinte. Considerou que dois destes dentes eram parecidos aos dos lagartos e denominou-os de Paleoscincus (“sangue antigo”) e Troödon (“dente que fere”); posteriormente descobriu-se que ambos pertenciam a dinossauros.
Antes que decorressem dois anos, os restos da presença de dinossauros na América do Norte superavam amplamente aos que tinham sido acumulados durante trinta anos de procura na Europa. O descobrimento produziu-se muito perto da Filadélfia, e veio da mão de William Parker Foulke. Em 1858 escavou-se em Haddonfield, New Jersey, parte de um esqueleto, e que foi entregue a Leidy. Este encarregou-se rapidamente de descrever e batizar esta nova amostra com o nome de Hadrosaurus foulkii (“lagarto pesado de Foulke”), indicando que novamente se tratava de um exemplar parecido ao Iguanodonte. Não obstante, o descobrimento recente incluía nove dentes, parte da mandíbula, muitas vértebras e - o mais importante - os ossos principais das extremidades, que davam constância de que as dianteiras eram muito mais fortes e compridas do que as traseiras. Por isso Leidy sugeriu a possibilidade de que estes animais tivessem caminhado unicamente sobre as suas patas traseiras, o que lhes dava uma pose mais parecida à do canguru, ao contrário dos répteis que Owen imaginou como parecidos aos elefantes.

Os comissários do Central Park tinham planos grandiosos para o seu Museu Paleozóico, O desenho realizado por um artista mostra que a intenção era criar algo parecido ao Palácio de Vidro de Paxton. A única diferença seria que os animais pré-históricos ao invés de estarem no exterior ficariam alojados no interior. O palácio serviria como lugar para a comemoração dos tipos de vida que povoaram antigamente o continente norte-americano.

Dez anos depois, Benjamin Waterhouse Hawkins, o escultor dos dinossauros de Owen, receberia o encargo de reviver o Hadrosaurus de Leidy para o Museu Paleozoico projetado para o Central Park de Nova Iorque. Junto aos dois modelos de Hadrosaurus construiu-se outro dinossauro carnívoro, o Laelaps. Este dinossauro também era conhecido graças à parte de um esqueleto descoberto em 1866 por Edward Drinker Cope (1840-1879), um aluno de Leidy muito preparado.

O desenho que Charles Knight realizou do Laelaps dá uma imagem muito diferente destes animais da que proporcionou a versão paquidérmica de Owen. Aqui são refletidas características similares às dos cangurus de acordo com as indicações de Cope, que sentou as bases para uma imagem muito mais apropriada dos dinossauros.

Os descobrimentos americanos mudaram em poucos anos e de forma radical a perspectiva sobre a anatomia dos dinossauros. Entretanto, na Europa ocorriam novos descobrimentos. Em 1861 divulgava-se em umas canteiras de pedra calcária da Baviera um dos fósseis de aves mais antigos, o Archaeopteryx (“pluma antiga”). Nesse mesmo ano descobriu-se outro pequeno (60 cm de longitude) esqueleto fóssil de réptil completo, também nesta região do sul da Alemanha e recebeu o nome de Compsognathus (“mandíbula bonita”). Tanto Cope como o anatomista inglês Thomas Henry Huxley (1825-1895) deram-se conta de que o Compsognathus não era um réptil qualquer, mas um dinossauro diminuto. A sua estrutura era frágil, com patas compridas, similares às das aves e com uma pose parecida à do Hadrosauros e do Laelaps. Isto parecia indicar que os dinossauros se pareciam mais às aves que aos mamíferos, contrariamente ao que pensava Owen.

O descobrimento deste esqueleto magnificamente conservado do Compsognathus despertou o interesse pela estrutura dos dinossauros.

Simultaneamente, Owen ainda estava dedicado à descrição dos novos dinossauros na Inglaterra e estes exemplares pareciam responder às suas deduções. Em particular, entre os restos dos quais se ocupava, estavam os do Omosauros, um stegossauro de finais do jurássico e o Scelidosaurus, um anquilossauro de princípios do mesmo período. Em ambos os casos tratava-se de representantes fortemente blindados, que proporcionavam indícios claros de terem caminhado sobre quatro patas.

Jazimentos belgas de dinossauros

Em abril de 1878 alguns mineiros estavam escavando um veio de carvão no povoado de Bernissart, no sudeste da Bélgica, quando encontraram uns restos que pareciam ser ossos fósseis. Imediatamente ordenou-se um envio por cabo aos cientistas do Real Museu de História Natural de Bruxelas. Por sorte, junto com os ossos conservavam-se alguns dentes; uma vez examinadas estas provas não havia dúvidas de que se tratava dos restos de um dos primeiros dinossauros de Owen: o Iguanodonte.
Demorou-se muitos anos para dispor e preparar o descobrimento na sua totalidade e este trabalho proporcionou uma excelente amostra representativa da vida nos primeiros anos do cretáceo: peixes, plantas, tartarugas, crocodilos, insetos e dinossauros. Foram descobertas partes de esqueletos completos de trinta e nove Iguanodontes, assim como peças soltas de um dinossauro carnívoro solitário, o Megalosaurus dunkeri.
Em 1882 Louis Dollo (1857-1931) foi nomeado como ajudante de museu e foi-lhe designada a tarefa de descrever os répteis fósseis. Em uma ampla série de artigos científicos, Dollo demonstrou que Leidy, Cope e Huxley estavam certos em relação à forma e postura destes animais. O grande número de esqueletos de Iguanodonte dava testemunho de que os animais tinham umas extremidades traseiras mais compridas e fortes, assim como uma prolongada cauda musculosa. Além disso, as patas eram muito parecidas às das aves, com três longos dedos projetados para frente, - e para terminar de confirmar o parecido com as aves, os ossos da pélvis tinham a distribuição característica dos animais deste grupo.
Ainda hoje em dia Dollo é recordado por biólogos de todas as especialidades, pois a teoria evolutiva que ele formulou recebe o seu nome: “lei de Dollo da irreversibilidade da evolução”. Esta lei é muito importante para a consideração da evolução das aves. Também foi capaz de solucionar um mistério persistente: onde colocar o osso cônico que tanto Mantell como Clift, e posteriormente Owen, tinham situado no focinho do Iguanodonte? Exatamente um ano depois de que fossem terminadas as reproduções do lguanodonte para o Palácio de Vidro, Owen começou a ter dúvidas sobre o corno nasal parecido ao do rinoceronte e sugeriu que poderia ter sido uma garra afiada da pata traseira. Algum tempo mais tarde descobriu-se outra amostra unida aos ossos do antebraço do lguanodonte. Dollo demonstrou que este osso era uma garra parecida a um dedo polegar de tamanho desproporcionado. uma arma atroz.

A febre norte-americana do dinossauro

Exatamente um ano antes do importante descobrimento de Bernissart encontrou-se no Colorado “jazimentos” de dinossauros mais numerosos e variados. Foram descobertos independentemente e aparentemente por acaso, por dois professores de escola, Arthur Lakes e O. W. Lucas.
Lakes encontrou os fósseis perto de Morrison, no Colorado, nas imediações das Montanhas Rochosas. Na América existiam nesta época dois paleontólogos especialmente conhecidos. Um era Edward Drinker Cope, na Filadélfia, cujo trabalho sobre o Laelaps já foi mencionado anteriormente e quem já havia descrito alguns dos dinossauros de New Jersey na década de 1860; posteriormente, em 1876, dirigiria uma expedição através do território da nação índia dos sioux em direção aos depósitos do cretáceo situados na zona do Rio Judith correspondente a Montana, de onde extrairia um dos primeiros dinossauros ceratópidos (dotados de corno), o Monoclonius, assim como alguns hadrossauros. Othniel Charles Marsh, do Yale College (que mais tarde seria Universidade de Yale), também tinha descrito alguns restos de dinossauros em New Jersey (Hadrosaurus minor) em 1870, além do Claosaurus de Kansas. Por esta razão, Lakes enviou parte destes enormes ossos a Marsh, que naquela época era professor de Paleontologia no Museu Peabody de Yale. O resto foi enviado a Cope.

Arthur Lakes pintou muitas paisagens da zona de Colorado e Wyoming onde se produziram grandes descobrimentos fósseis de dinossauros. Aqui os paleontólogos exibem os ossos de Morrison, em Wyoming; estes restos de brontossauro estão expostos na atualidade nos Estados Unidos. Ao enviar os seus fósseis a Cope e Marsh, dois paleontólogos antagonistas, Lakes despertou involuntariamente uma febre do dinossauro, produto da competição acirrada entre os dois estudiosos por realizarem novos e importantes descobrimentos.

Mas o certo é que Cope e Marsh estavam profundamente inimizados. A origem deste ódio parece que se produziu em 1870. Em 1868 Cope tinha descrito o novo fóssil de um réptil marinho conhecido como Elasmosaurus (“lagarto de fita”) cuja espinha dorsal, indicou, mostrava uma estrutura muito pouco comum. Marsh pôde examinar o novo réptil de Cope em 1870 e, depois de tê-lo observado, sugeriu que Cope tinha-se enganado e tinha reconstruído o animal colocando-lhe a cabeça na cauda. Infelizmente para este, Marsh estava certo. Cope estava destroçado.
Assim que Marsh examinou os ossos que recebeu de Lakes contratou-lhe, dando-lhe instruções de que mantivesse o seu descobrimento em segredo, certamente em uma tentativa de impossibilitar qualquer competição proveniente de Cope. Não obstante, Cope já tinha recebido a sua parte correspondente de ossos e estava ocupado na sua descrição quando recebeu uma mensagem de Lakes no qual lhe pedia que fizesse chegar os ossos a Marsh. Apesar disto, a vantagem de que desfrutava Marsh não seria duradoura. O outro mestre, O. W. Lucas, tinha encontrado alguns ossos gigantescos em Garden Park, perto de Canyon City (no Colorado), em outro setor da mesma formação geológica da qual provinham os restos descobertos por Lakes. Lucas mandou as suas amostras diretamente a Cope. Desta forma surgiu uma forte rivalidade entre ambos e foi o princípio de uma corrida por serem os primeiros em publicar informação sobre os novos descobrimentos. Os restos ósseos encontrados em Canyon City eram maiores e mais completos que os de Morrison. Mas a liderança de Cope também não duraria muito tempo. Mais adiante, no final do verão de 1877, produziram-se novos descobrimentos em Como Bluff, em Wyoming. Desta vez Marsh foi o primeiro em entrar em cena. Foram recolhidas enormes quantidades de ossos que não deixaram de ser enviados a Yale durante os doze anos seguintes.
Os descobrimentos de Marsh e Cope no Colorado e em Wyoming divulgaram uma boa quantidade de antigos gigantes do jurássico superior, entre eles o Allosauros, o Ceratosaurus, o Camarasaurus, o Brontosaurus (que depois receberia o nome de Apatosaurus), o Amphicoehas, o Diplodocus, o Stegosaurus e o Camptosaurus. Mas no final dos oitenta as rochas do cretáceo converteram-se em novo centro de atenção. Cope já tinha iniciado as suas investigações neste frente em 1876, mas o abandonou com a chegada da “febre do dinossauro” no Colorado e Wyoming. Com a ajuda de John Bell Hatcher foram recolhidos na zona do rio Judith dinossauros carnívoros de pequeno tamanho (Ornithormimus) e dinossauros blindados (Nodosaurus), além de grandes quantidades de dinossauros com cornos; entre estes restos incluem-se numerosos crânios e esqueletos do conhecido Triceratops. Estes dinossauros foram parar nas mãos de Marsh, graças a que adquiriu maior fama no final dos oitenta e na década de 1890.

Depois da grande febre

Após a morte de Cope, em 1897, e de Marsh, em 1899, diminuiu a procura febril de restos de dinossauros e começou um período de escavações mais lentas e detalhadas. Em 1897 o Museu de História Natural organizou de novo expedições a Como Bluff com o assessoramento de Henry Fairfield Osborn. Osborn desejava poder recolher uma coleção tão boa como a de Yale. Ao longo da primeira temporada encontraram-se dois esqueletos, mas em 1898 descobriu-se nas proximidades um novo assentamento que acabou sendo extremamente frutífero. As ladeiras estavam literalmente cobertas de ossos de dinossauro. Durante os sete anos seguintes foram extraídas quantidades fabulosas de ossos fossilizados, que formariam a base para a criação no museu de uma nova sala dedicada aos dinossauros.

O dinossauro de Andrew Carnegie

O Museu Americano não era o único interessado em conseguir coleções de fósseis, e especialmente de dinossauros. O Museu Carnegie de Pittsburgh, fundado pelo grande industrial e filantropo Andrew Carnegie, também tinha vontade de conseguir dinossauros; de fato, era uma das suas metas pessoais. Os artigos de jornais que divulgavam os descobrimentos de restos de dinossauros no meio oeste americano atraíram a atenção de Carnegie, que notificou ao diretor do seu museu, W. J. Holland, do seu desejo de encontrar um dinossauro gigante para a coleção. Com o financiamento de Carnegie, Holland formou o seu próprio grupo de rastreadores de fósseis e partiu para Wyoming em 1899.
Em menos de dois meses a sua equipe tinha realizado um descobrimento espetacular em Sheep Creek, nas vizinhanças de Medicine Bow: os esqueletos de dois Diplodocus. Nenhum deles se conservava completamente, mas unindo os dois em Pittsburgh, Holland pôde colocar um dinossauro à disposição de Carnegie. No seu momento foi o esqueleto montado de maior envergadura do mundo e para maior glória do seu proprietário recebeu o nome de Diplodocus carnegiei. Carnegie, não satisfeito unicamente em mostrá-lo em Pittsburgh, encarregou quadros que representassem a criatura. Um deles foi destinado à casa que Carnegie possuía na Escócia, onde foi visto por Eduardo VII, rei da Inglaterra, quando a visitou em 1903. A pintura impressionou muito o rei e este perguntou se seria possível que Carnegie conseguisse outro dinossauro igual para a Grã-Bretanha. Carnegie ofereceu-se para encarregar um molde do Diplodocus; assim uma equipe de moldadores italianos entregou-se durante os dois anos seguintes à tarefa de realizar este molde da totalidade do esqueleto do dinossauro. Em 1905 juntaram-se as peças da réplica no Museu de História Natural de Londres e a sua abertura oficial converteu-se em um ato social da coroa. O evento teve tanto êxito que Carnegie encarregou novos moldes e os enviou aos museus de muitas capitais de todo o mundo.

Carnegie encarregou a realização de um molde para obter a representação de um Diplodocus. Aqui vemos a sua apresentação no Museu de História Natural de Londres em 1905 com a presença do rei Eduardo VII. Andrew Carnegie ofereceu-se para doar uma reprodução (cuja elaboração durou dois anos) depois de que o rei visitasse a casa de Carnegie na Escócia e expressasse a sua admiração por uma pintura do esqueleto original.

Em 1909 os escavadores de Carnegie tiveram um segundo grande golpe de sorte em Utah quando Earl Douglas, representante do museu, foi até as imediações das Montanhas Uinta em busca de restos de dinossauros, acompanhado por George Goodrich, um mórmon do lugar. Informes prévios do terreno tinham sugerido a possível existência de ossos. Finalmente Douglas encontrou incrustados nuns estratos de rocha inclinados uma fileira de oito ossos unidos pertencentes à cauda de um dinossauro. O doutor Holland acudiu desde Pittsburgh para examinar o descobrimento e a escavação seguiu o curso das vertebras mostrando gradualmente o conjunto do esqueleto. Ao final ficou ao descoberto praticamente a totalidade de um dinossauro gigante, que receberia o nome de Apatosaurus louisae, em honra a esposa de Andrew Carnegie. Desde 1909 até 1923 este lugar seria regularmente visitado por equipes de escavação do Museu Carnegie; o resultado seria o descobrimento de mais Diplodocus além de Apatosaurus, Camarasaurus, Stegosaurus e Allosaurus.

A febre do dinossauro canadense

Os índios pés-negros conheciam a existência de ossos de dinossauros no vale do rio Red Deer muitos séculos antes que o homem branco os redescobrisse. Pensavam que eram os ossos do ancestral do búfalo e faziam oferendas ao mundo dos espíritos para que a fortuna acompanhasse aos valentes na caça. Uma exploração e investigação científica não começaria ate a década de 1870 com os primeiros informes topográficos da fronteira canadense. Em 1884 Joseph Burr Tyrrell realizou o primeiro descobrimento importante no vale do rio Red Deer: o crânio de um dinossauro carnívoro nas rochas do cretáceo tardio. Enviou os fósseis a Ottawa para que fossem estudados pelo Instituto Topográfico Canadense. Não obstante, nesses momentos não existia ninguém no Canadá que fosse capaz de identificá-los como tais, de modo que foram enviados a Filadélfia para que fossem analisados por Cope, que os classificou como pertencentes a um dinossauro carnívoro. Este dinossauro recebeu por último o nome de Alberiosaurus, em comemoração do fato de que o seu descobrimento se produziu na que posteriormente seria chamada Província de Alberta.
Lawrence Lambe, do Instituto Topográfico Canadense, descobriu uma serie de fósseis e realizou uma descrição de grande parte deles; mas as suas técnicas de escavação não eram as mais adequadas para a obtenção de material considerado de qualidade. O deserto era difícil de ser explorado e de se trabalhar em comparação com as canteiras de fósseis dos Estados Unidos. Em 1910 Barem um Brown, colecionador do Museu Americano de História Natural, teve uma ideia simples, mas formidável. No ano anterior Brown tinha dirigido uma expedição exploratória ao rio Red Reed. Assim, durante a temporada de 1910 decidiu construir uma balsa enorme que transportaria os instrumentos necessários e funcionaria como um acampamento móvel. Com a ajuda de varas poderiam realizar o transporte pelo rio aos pontos convenientes, amarrar e explorar as rochas erosionadas em busca de restos ósseos para depois carregá-los na balsa e prosseguir a expedição. No final de cada temporada a balsa terminava completamente carregada de tesouros fósseis, entre eles vários dinossauros completos, que Brown se encarregava de enviar a Nova Iorque e que formariam a base de algumas das maravilhosas amostras de dinossauros expostas na Sala do Cretáceo do museu. No principio Brown havia recebido o apoio do Instituto Topográfico Canadense, mas uma vez visto o excelente resultado do método esta instituição decidiu contratar a sua própria equipe de escavadores.

As expedições africanas

O ano 1907 foi testemunha do descobrimento de restos de um dinossauro gigantesco entre as rochas do jurássico tardio em Tendaguru nas então colônias alemãs do leste da África e atual Tanzânia. Estes dinossauros foram escavados por pessoal local entre 1908 e 1912, com enormes custos materiais e humanos, sob a supervisão de Edwin Hennig e Werner Janensch, do Museu de História Natural de Berlim. O transporte a Berlim dos descobrimentos desde esta zona remota da África, carente de estradas, acarretou mais de um pesadelo aos organizadores. Condutores contratados transportaram o conjunto de ossos sobre as suas cabeças ou pendurados sobre redes que apoiavam nos seus ombros; o seu peso uma vez embalados alcançava umas duzentas e cinquenta toneladas.
A expedição foi um êxito indiscutível e revelou a existência de uma nova variedade de dinossauros, entre os quais se encontra o Kentrosaurus (provido de espinhos), o Elaplirosaurus, um terópodo de frágil constituição, o Dicraeosaurus, parecido ao Diplodocus e o saurópodo gigantesco denominado Braquiossauro. Este último, de doze metros de altura, alcança uma longitude superior aos 22,5 metros e é a peça mais valiosa do museu berlinense. É o esqueleto montado de dinossauro de maior tamanho do mundo.

Mais dinossauros europeus

Além dos descobrimentos nas suas colônias, a Alemanha também dispunha em casa de alguns exemplares magníficos de dinossauros. Desde finais da década de 1830 vinha-se descobrindo numerosos ossos de dinossauros cuja origem remontava-se ao final do triásico; alguns dos ossos de maior tamanho foram batizados em 1837 por Hermann von Meyer com o nome de Plateosaurus. Uma grande parte foi estudada por Friedrich Freiherr von Huene (1875-1969), um eminente paleontólogo alemão. Se bem que o trabalho que desenvolveu nos seus primeiros tempos consistiu principalmente na classificação dos dinossauros e em investigar o trabalho de outras pessoas, em 1921 Huene ver-se-ia envolvido no excepcional descobrimento de uma quantidade enorme de dinossauros em uma canteira próxima a Trossingen, a uns quarenta e oito quilômetros ao sul de Tubinga. De forma parecida ao acontecido com o Iguanodonte, muitos anos antes tinham sido descobertos alguns restos fascinantes aos que se seguiriam coleções fabulosas. A canteira de Trossingen produziu quantidades ingentes de esqueletos de Plateosaurus completos.

Distribuição dos dinossauros
Na atualidade podemos dizer que foram encontrados restos de dinossauros em todos os continentes do globo. Nos últimos anos, explorações britânicas e argentinas descobriram restos inclusive nas geladas planícies da Antártida. As zonas de localização tradicional dos dinossauros, Europa ocidental e América do Norte, ainda são canteira de novos descobrimentos, se bem que estão sendo realizados alguns descobrimentos espetaculares particularmente na Mongólia, China, América do Sul, África e Austrália.

Expedições à Ásia Central

A princípios dos anos vinte o Museu Americano não só se ocupava de prestar ajuda a Von Huene, mas também tinha nas mãos um plano ambicioso. Osborn, que no inicio do novo século estava relacionado com os descobrimentos de dinossauros em Wyoming, propôs realizar uma expedição à Mongólia em busca das origens da raça humana. Naquela altura prevalecia a teoria de que a Ásia Central tinha sido o berço e Osborn pretendia pô-la à prova. Vários obstáculos tiveram de ser superados: o remoto ponto de destino, além de uma série de dificuldades de tipo político e logístico; finalmente a expedição chegou Mongólia em 1922. Descobriu-se alguns restos de mamíferos, mas nenhum resto humano significativo. No seu lugar, a expedição viu-se recompensada com os restos de alguns dinossauros curiosos providos de bico (Protoceratops, Psittacosaurus), uns estranhos dinossauros blindados (Pinacosaurus) e dinossauros carnívoros muito peculiares (Sauromithoides, Velociraptor e Oviraptor). Foram encontrados em um cemitério de dinossauros densamente povoado; inclusive encontraram, pela primeira vez na historia, ovos e ninhos.

Dinossauros chineses

O imenso território chinês também é uma canteira rica em restos fossilizados de dinossauros. Os primeiros descobrimentos - sem considerar os tradicionais ”dentes de dragão” - foram realizados ao redor do ano 1900, quando um general russo recolhia ossos encontrados por pescadores no norte da China. À continuação varias expedições acudiram à região: iniciativas conjuntas chino-francesas e chino-suecas e as expedições de Osborn no seu caminho de ida e volta da Mongólia; mas a partir de 1933 os chineses ficaram com a exclusiva.

Dinossauros de todo o mundo


A América do Sul foi uma boa fonte de fósseis, entre os que se contam o surpreendente Carnotaurus, um terópodo provido de um grande corno, e um saurópodo blindado, o Saltasaurus, ambos encontrados na Argentina. Em Deccan, região da Índia, também foram descobertos terópodos de finais do cretáceo. Nos anos vinte localizou-se perto de Brisbane, na Austrália, um terópodo de grande tamanho, o Rhoetosaurus e em época mais recente foram encontrados alguns ornitópodos. Inclusive na Antártida encontraram-se alguns dinossauros blindados e um ornitópodo, enquanto que no outro extremo do mundo, foram descobertos restos no Alasca.




O DESCOBRIMENTO DOS DINOSSAUROS é o terceiro capítulo do primeiro volume de A ERA DOS DINOSSAUROS, da coleção ATLAS DO EXTRAORDINÁRIO, publicação das EDICIONES DEL PRADO.
Título original: DINOSAUR!
Copyright Boxtree Limited, 1991
Copyright da edição espanhola, Editorial Debate, S.A;
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Copyright desta edição, 1996 Ediciones del Prado;
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sábado, 20 de abril de 2013

TIRADENTES

TIRADENTES (1746-1792)


"TIRADENTES". Quadro de Autran (detalhe). Vila Militar - Rio de Janeiro

A História da Independência do Brasil poderia ter começado assim. Estamos em Vila Rica, Minas Gerais, em 1789.
Amanhã é o batizado. Na noite cheia de sombras, a senha corre entre os conspiradores: amanha é o batizado.
O governador, finalmente, assinara o decreto ordenando a derrama, rigorosa cobrança dos pesados impostos atrasados que a toda gente assustava. Havia medo e revolta em Minas Gerais. Chegara o momento esperado: a rebelião estava no ar.
— Amanha é o batizado — sopravam vozes na escuridão.
E Vila Rica dormiu, sonhando com a independência.
Amanhecia, quando o Alferes e seus homens invadiram o Palácio da Cachoeira para dali trazer preso o governador português.
A rapidez da ação impediu qualquer resistência e os rebeldes, vencidos os guardas, levaram o prisioneiro. Vila Rica ainda acordava, enquanto o grupo marchava sobre a cidade.
— Viva a liberdade! Viva a liberdade! A voz do Alferes despertava um povo. A praça se apinhou de gente. Mãos atadas, olhar perdido, traje em desalinho, o governador — cercado pela multidão — perdia-se em murmúrios:
— Enlouqueceram, enlouqueceram.
Enquanto isso, os gritos de liberdade sacudiam os ricos sobrados.
De repente, um tropel.
— Aí vem os Dragões de Minas!
Há silencio, quando à frente da tropa um oficial português entra na praça:
— Que é isso, camaradas? Quem nos governa? Não é esse prisioneiro o senhor governador?
Por um momento parece que vai haver luta. Até que aos poucos, do meio dos soldados da própria tropa do Governo, vai crescendo um grito:
— Liberdade! Liberdade!
E o povo aplaude, todos riem, se abraçam.
É a revolução. Tomam o cofre da Real Fazenda; ocorrem prisões; bandos partem para as vilas, anunciando a vitória e pedindo apoio. Emissários seguem rumo a Bahia, Rio e São Paulo, para contar que Minas Gerais está livre, que tem um Governo nacional e se prepara para a guerra contra Portugal. É a Independência.
A nossa verdadeira historia, porém, foi diferente.
O Governador de Barbacena não foi preso, o povo não se levantou, não houve, enfim, a revolta. Mas poderia ter havido, não fosse uma traição, que acabou com os planos dos rebeldes e com o grande ideal do Alferes Joaquim José da Silva Xavier, delatado em Vila Rica (hoje Ouro Preto), nas vésperas da esperada derrama, e preso no Rio, quando procurava seguidores para seus planos de independência.
Por isso, nada deu certo e naquela noite de 1789, em Vila Rica, sede da capitania de Minas Gerais, um homem embuçado corria a casa dos conspiradores.
O governador suspendeu o decreto ordenando a derrama e já corriam boatos: fora descoberta a rebelião, muitos seriam presos.
O embuçado confirma:
— Fujam! Fujam! Fomos todos descobertos. Tiradentes já esta preso no Rio.
Uma traição mudara a Historia do Brasil, matando o sonho de Joaquim José da Silva Xavier, que foi tropeiro, minerador, cirurgião, soldado e herói. Um herói sem medo, que todos chamavam e chamariam sempre o Tiradentes.

Um menino como outro qualquer

Em 1746 o Brasil era uma colônia empobrecida. Na capitania de Minas Gerais, cuja população não chegava a 200 mil habitantes, boa parte das muitas toneladas de ouro extraídas era recolhida pela Coroa portuguesa e seguia diretamente para Lisboa. Nesse mesmo ano, na fazenda de Pombal, à beira do rio das Mortes, a um passo de São João del Rei e de São José del Rei, nasceu Joaquim José da Silva Xavier. Ele era o quarto entre sete irmãos: Domingos e Antônio, que se tornaram padres; José, que se fez capitão, e as meninas Maria, Eufrásia e Antônia.

Ele nasceu na Vila de São José, hoje Tiradentes.

Joaquim José era filho de pai português, Domingos da Silva dos Santos, e mãe brasileira, Antônia da Encarnação Xavier, nascida em Minas. Três dos avós eram portugueses e a avó materna paulista.
O menino Joaquim José cresceu na fazenda, onde seu pai, sem grande sorte, dedicava-se à mineração. Até os nove anos de idade, Joaquim José foi um garoto como outro qualquer, dividido entre os brinquedos com os irmãos, os primeiros ensinamentos da mãe, a curiosidade pelo trabalho de mineração que se fazia em seu redor, as orações aprendidas na capela da fazenda, festas e procissões.
Seu pai nunca foi rico, mas tinha o suficiente, chegando a possuir 35 escravos.
Era homem de respeito: elegeu-se vereador para a Câmara da vila de São José e foi escolhido para almotacé, importante cargo de fiscal. Também fazia parte, com a mulher, da Irmandade da Ordem Terceira de São João del Rei, da Irmandade do Santíssimo Sacramento e da Irmandade das Almas.
Mas, aos nove anos, Joaquim José ficou órfão de mãe e aos onze perdeu o pai. Aí a família se desfez, cada irmão foi para um canto, Joaquim José para a casa do padrinho, na vila de São José.
Joaquim José fora batizado na capela anexa à fazenda, tendo como padrinho o cirurgião Sebastião Ferreira Leitão e como madrinha Nossa Senhora da Ajuda. O padrinho Sebastião trabalhava na vila de São José: era especialista em arrancar dentes e substituí-los por novos. Tem-se como certo que foi Sebastião quem ensinou ao afilhado a arte de tirar dentes, além de completar sua alfabetização.

Foi sabendo usar este instrumento que Joaquim José passou a ser "Tiradentes".

E nas noites de São José, com saudades da fazenda, recordações do pai e da mãe, Joaquim José ouvia histórias do ouro: ali pertinho, contavam, o português Bento do Amaral Coutinho, por volta de 1709, aniquilara um grupo de paulistas desarmados, no lugar que passou a se chamar Capão da Traição, numa luta pela posse das minas de ouro. Mas Joaquim José gostava mesmo era do fim da história: ao fugir para São Paulo, derrotados, os bandeirantes foram obrigados pelas próprias mulheres a retornar a Minas para continuar a chamada Guerra dos Emboabas (era assim que os paulistas designavam os forasteiros), uma briga que durou três anos.
E nas noites de São José, quem sabe, o menino Joaquim José sonhava com ouro, com Vila Rica, São Paulo, Rio e Bahia, ou até com a Europa, onde muitos brasileiros estudavam.

Defendeu um escravo, perdeu tudo


Todos às minas, que ali há ouro em quantidade suficiente para enriquecer uma nação.


Alto, magro, forte e vesgo, o menino virou rapaz, hábil no manejo dos ferrinhos com que arrancava dentes. Mas as aspirações de Joaquim José iam além de Minas e dos trabalhos de dentista. Vira muita fortuna se formar, muito aventureiro enriquecer, muito ouro sair da terra, embora o auge da mineração, lá por 1750, já tivesse passado. Agora, aos poucos, o ouro ia rareando. Portugal, com seu poderio reduzido, dependia das importações da Inglaterra, mas continuava a viver na ostentação. O que pagava quase todas as compras e o luxo português era o ouro do Brasil. Por isso, o rei acusava a gente da Colônia de burlar a Coroa, quando dizia que as minas estavam esgotadas.
Joaquim José, apesar de já conhecido como o Tiradentes, deixou então de ser dentista, resolvendo primeiro transportar mercadorias numa tropa de burros e depois tentar a sorte nas minas de ouro. Não fez fortuna: a terra lhe negou ouro. Quando ia progredindo como tropeiro, meteu-se numa grande encrenca: socorreu um escravo que estava sendo castigado e acabou julgado por um tribunal, que o condenou a pagar pesada multa e as custas do processo. Por isso teve de vender seus burricos e mercadorias. Escravo era propriedade do dono, Tiradentes não tinha o direito — disseram — de se intrometer.
Assim, em dezembro de 1775, aos 30 anos, o minerador sem sorte, o tropeiro tão popular nos caminhos de Minas e Rio, sempre pronto a tratar ou arrancar um dente e capaz de fazer curativos como poucos, sentou praça na 6ª Companhia de Dragões da capitania de Minas Gerais. Por ser branco e descendente de portugueses cristãos, teve o privilégio de ingressar nas armas já como oficial, sem passar pelos postos subalternos. Tornou-se alferes, o que equivaleria hoje ao posto de 2º tenente.
Nos caminhos de Minas ficou seu riso e seu vozeirão: era conversador, tinha sempre um caso interessante para contar, todos gostavam dele. Soldado, Joaquim José destacou-se pela correção e coragem, primeiro em Minas, depois no Rio de Janeiro, capital da Colônia.
Voltando a Vila Rica, Tiradentes foi nomeado comandante da patrulha do Caminho Novo, que ligava Minas ao Rio. Sua tarefa era cuidar da conservação da estrada e mantê-la livre de assaltantes.
Pelo Caminho Novo passavam o ouro e os diamantes com destino às arcas reais. E o patrulheiro Joaquim José via a sua terra empobrecer, o marasmo a tomar conta dela. Quase tudo era proibido, as melhorias eram poucas. Abrir estradas novas — pensava o Governo português — era também criar caminhos para que os contrabandistas levassem o ouro das minas. A instalação de um serviço de correios possibilitaria a troca de notícias entre as longínquas localidades e com isso a união dos brasileiros. Fundar fábricas prejudicaria o monopólio comercial de Portugal, diminuindo assim a renda da Coroa. O conflito de interesses entre Colônia e Metrópole aumentava cada vez mais.

Um alferes, sempre alferes

Em Minas Gerais, os anos passavam e Tiradentes continuava um simples alferes. Não era promovido, embora tivesse colegas mais novos na tropa que já eram capitães. Homem de confiança, escolhido para missões de responsabilidade, Tiradentes mais de uma vez acompanhou o governador de Minas, Rodrigo de Meneses, em expedições de reconhecimento dos sertões, viagens em que, além de soldado, ajudava como cirurgião, traçava mapas, pesquisava terras para mineração e identificava minerais. Mas não o promoviam. Era sempre o Alferes. A injustiça estava marcando a vida de Joaquim José.
Em 1783, Cunha Meneses vem substituir a Rodrigo de Meneses no Governo da capitania. É um homem arbitrário, que só valoriza seus protegidos. Os brasileiros são sempre esquecidos, todos os favores vão para os filhos do Reino. Os homens são premiados só pelo nascimento ou pela bajulação. Também por isso, algumas velhas ideias vão ganhando corpo na cabeça de Tiradentes. E, nas tavernas, nos quartéis e pousos de beira de estrada, o Alferes, com seu vozeirão, começa a fazer críticas ao Governo, explicando que os nacionais estavam condenados à pobreza e à ignorância pela prepotência dos representantes da Coroa. Revoltava-o a submissão do povo à opressão dos governantes.
Outra voz, também de Vila Rica, logo se somaria à sua. A capital mineira era uma das vilas mais importantes do Brasil colonial, tão importante que, em 1730, apenas dezenove anos depois de sua fundação, já era assim descrita:
"Nesta Vila habitam os homens de maior comércio, cujo tráfego e importância excedem, em comparação, o maior dos maiores homens de Portugal; a ela se encaminham e recolhem as grandiosas somas de ouro de todas as Minas, na Real Casa da Moeda; nela residem os homens de maiores letras, seculares e eclesiásticos; nela tem assento toda a nobreza e força da milícia e, por situação de natureza, cabeça de toda a América, e pela opulência das riquezas, a pérola preciosa do Brasil".

Quase de um dia para outro, no centro da zona de mineração, surgiu Vila Rica, capital do ouro.

Pois essa vila, rica em ouro, igrejas, procissões coloridas e sobradões fechados no seu luxo, essa Vila Rica também se manifestava contra a tirania, através dos versos de poetas, nas chamadas Cartas Chilenas, que satirizavam a situação.
Nos versos, distribuídos em folhetos, o Governador de Minas aparecia como o Fanfarrão Minésio, descrito corno cruel e prepotente. Os autores das Cartas, para escapar à fúria das autoridades, usavam o pseudônimo de Critilo. Acredita-se hoje, através de pesquisas literárias, que quem assim escrevia era Tomás Antônio Gonzaga, ajudado por outro poeta, Cláudio Manuel da Costa. Juntos, ainda que trabalhando separados até então, os versos dos poetas e a palavra do Alferes abriam a luta pela emancipação política do Brasil.

Por fim, a grande escolha

Em 1787, quando a população da capitania de Minas Gerais passava dos 400 mil habitantes, o ouro já era difícil de encontrar e a Coroa portuguesa aumentava a pressão para recolher a parte que exigia. Joaquim José, mais e mais, pregava a liberdade: — Ora eis aqui têm vossas mercês todo este povo açoitado por um só homem e nós todos a chorarmos como escravos — ai; ai; e de três em três anos vem um, e leva 1 milhão; e os criados levam outro tanto; e como hão de passar os pobres filhos da América?
Aos 41 anos de idade, Tiradentes dava sentido à vida entregando-se ao sonho da independência. Não podia ser feliz em meio à exploração da sua gente: queria o que em outras partes do mundo muitos homens também desejavam.
O século XVIII foi, na Europa, um tempo de grande agitação política e filosófica. Tudo começara quase três séculos antes, com a chamada Revolução Comercial, que acabou dando aos burgueses o controle das finanças, das manufaturas, de quase todo o comércio. Enquanto isso, o poder político continuava na mão de reis e nobres, que protegiam companhias a eles ligadas e interferiam na liberdade dos comerciantes de se abastecerem em mercados estrangeiros, freando a onda de progresso dos grandes países da Europa daquele tempo. Analisando a disputa entre os donos do poder político e os que controlavam a economia, muitos pensadores investiram contra a nobreza e os velhos preconceitos, derrubando mitos em todos os campos, da ciência à política. Um clamor de liberdade para todos, em todos os assuntos, espalhou-se pela Europa. As novas ideias alastravam-se rapidamente. Os homens passaram a debater um conceito até então indiscutível: que os reis governavam por determinação divina. Iniciava-se a luta contra todas as tiranias. O homem devia ser livre, devia poder pensar o que quisesse.
Essas ideias revolucionaram também o Novo Mundo e, agitando a América inglesa, levaram-na a lutar pela sua independência. Com a libertação das treze colônias da Inglaterra, que passaram a se chamar Estados Unidos da América, chegava-se à primeira mudança concreta: o novo país escolheu o sistema republicano de governo.
A declaração de Independência dos americanos (4 de julho de 1776), escrita por Thomas Jefferson, sintetiza bem as concepções filosóficas da época:
"São verdades indiscutíveis para nós: que todos os homens nascem iguais; que a todos concedeu o Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais estão o da vida, liberdade e a busca da felicidade; que os homens, para assegurarem esses direitos, constituíram governos, cujos justos poderes emanam do consentimento dos governados. Que, toda vez que uma forma de governo contraria esses fins, é um direito do povo alterá-la ou aboli-la e instituir um novo governo, baseando seus fundamentos em princípios tais e organizando seus poderes de tal forma, que a eles pareça contribuir mais eficazmente para sua segurança e felicidade".
No ano de 1788, a rainha de Portugal, Dona Maria I, tinha duas graves preocupações: impedir que as ideias de liberdade entrassem no seu reino e recuperar as finanças do país. Na França, o povo estava em vésperas de esmagar os nobres e a família real, clamando por liberdade e igualdade. Enquanto isso, a Inglaterra continuava exercendo domínio econômico sobre Portugal, a quem vendia produtos manufaturados a peso de ouro. Tudo fora luxo e fartura na Corte portuguesa, durante os anos em que o Brasil produzira ouro em abundância. Mas agora...

Até a metade do século XVIII, os riachos da região mineira foram palco de intensa atividade. Depois, o movimento começou a diminuir. Era o ouro que escasseava.

Até 1750, enquanto as minas davam muito, a Coroa manteve-se na opulência. Conseguia taxar as minas em quase 20% (o "quinto"). Quando a produção caiu, entretanto, estabeleceu-se a cobrança fixa dos direitos reais em 100 arrobas (1 500 quilos) por ano, qualquer que fosse a produção. Os soberanos precisavam, de todo modo, continuar recebendo o ouro das minas, sua propriedade particular que, benevolentemente, permitiram fossem exploradas.
A partir de 1762, a arrecadação não mais atingia a quantia fixada, pois as minas se estavam esgotando. Houve então a primeira derrama. O povo era obrigado a completar o total de impostos devidos com os seus próprios recursos. Uma segunda derrama se seguiu, em 1768, e durou três anos. Dezessete anos depois, em 1788, a Corte portuguesa exigia novo recolhimento das taxas atrasadas. Seria mais uma derrama, com a desculpa de que não havia queda de produção e sim contrabando. Para cobrar a grande dívida, tão grande que nem toda a produção de ouro de um ano poderia pagá-la, Dona Maria I nomeou governador de Minas Gerais o General Dom Luís Antônio Furtado de Mendonça, Visconde de Barbacena.

Um encontro muito importante

Desde março de 1787, desiludido da vida militar, o Alferes Joaquim José pedira licença e seguira para o Rio. Em Minas, os ideais de libertação fermentavam, mas não explodiam. E Tiradentes foi tentar vida nova no Rio.
Se não teve sorte na infância, nas diferentes profissões e nas relações com os poderosos, tampouco em sua vida sentimental conseguiu triunfos maiores. Só uma vez amou de verdade, sendo quase correspondido. Ela chamava-se Ana, tinha quinze anos, era sobrinha do Padre Rolim, futuro companheiro de rebelião. Mas a moça já estava prometida a outro, Tiradentes continuou só.

Homem elegante, chegando mesmo a ser vaidoso, Joaquim José sempre cuidou bem do único uniforme que vestiu na vida: o de alferes.

Antes disso, duas outras mulheres haviam entrado em sua vida, ambas de pobre condição social. A primeira, uma mulata, Eugênia Joaquina da Silva, de quem Joaquim José teve um filho, João. A outra, uma viúva, Antônia Maria do Espírito Santo, vivia nos arredores de Vila Rica e também lhe deu uma criança: desta vez, uma menina, batizada com o nome de Joaquina.
No Rio, Tiradentes elaborou projetos importantes: queria construir armazéns no cais, para proteção e guarda das mercadorias, e sonhava resolver o problema do abastecimento de água da cidade, canalizando os rios Andaraí e Maracanã. Praticando a medicina para viver, foi, ao mesmo tempo, fazendo grandes planos de engenharia.
As suas diversas petições para obras estavam na Câmara Municipal, e elas exigiriam enormes financiamentos. Joaquim José, agora misto de médico e engenheiro, pensou em recorrer a pessoas de importância, que lhe facilitassem a aprovação da Câmara. É para isso que naquele setembro de 1788 foi procurar o jovem José Álvares Maciel, que acabara de concluir seus estudos em Portugal e Inglaterra. Joaquim José e Maciel não se conheciam. Mas alguma coisa os ligava: ambos eram de Minas; Maciel, de Vila Rica, filho do capitão-mor.
Maciel chegava da Europa alimentando sonhos de independência. Joaquim José vinha de Minas, onde fervia a indignação contra o Governo. Os dois se somaram. Logo, a conversa desviou-se da engenharia. Joaquim José queria notícias da Europa, das novas ideias, dos movimentos de libertação. E Maciel pedia notícias de Minas, do estado de coisas, da política portuguesa. O Rio ia continuar sem água, no cais as mercadorias ficariam expostas à chuva e ao sol. Os dois homens tinham coisas mais importantes para discutir.

A decisão está tomada

Nesse encontro é possível que Maciel tenha lembrado a figura de José Joaquim da Maia, brasileiro do Rio, estudante de medicina na Universidade de Montpellier, na França, que dois anos antes procurara e fora recebido por Thomas Jefferson, um dos construtores da independência dos Estados Unidos, então embaixador em Paris. Foi um encontro entre um jovem entusiasmado e um estadista experiente. O brasileiro guardou fria recordação da entrevista. Queria contar como ia a situação do seu país, a sede de independência, a verdadeira subjugação em que andava seu povo. E pedir conselho e ajuda. Jefferson escutou-o com simpatia. Mas nada prometeu, a não ser que, se a guerra da independência começasse, alguns oficiais poderiam auxiliar voluntariamente os brasileiros. Maia queria muito mais e saiu decepcionado.
Terminada a licença, Tiradentes regressa a Minas na escolta da mulher de Barbacena, o novo governador. Sua recente conversa com Maciel — que prometera encontrá-lo em Vila Rica — revelara-lhe o caminho a seguir.
Nos meses que se seguem, Tiradentes procura ler tudo quanto se relacione com a independência das colônias inglesas na América do Norte e com os ideais europeus de libertação e dignificação do homem, ideais que tomavam também Portugal. Tem dificuldades. Essa literatura, rara e difícil de ser obtida, vem escrita em francês e inglês, línguas que o Alferes não dominava. Por isso, procura auxílio entre os intelectuais. Tiradentes quer descobrir os caminhos da independência.

A propaganda abre o caminho

Juntos de novo, Joaquim José e Maciel começam a traçar planos. Precisam da participação de um chefe militar que possa sublevar as tropas contra a Coroa. Uma coincidência os ajuda. O comandante do regimento em que o Alferes está servindo, Tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, é cunhado de Maciel. Vão procurá-lo, precisam conquistá-lo para suas ideias. Mas tudo tem que ser feito com muito cuidado.
O tenente-coronel está em casa, adoentado. Joaquim José chega dissimulando, a pretexto de uns soldos atrasados. E passa a falar do desgosto do povo, dos temores que a ameaça da nova derrama produzia, do sofrimento em que vivia toda a gente. Maciel, também presente, começa a abrir o jogo, contando que na Europa as pessoas estranhavam que a América portuguesa ainda não tivesse seguido o exemplo da América inglesa e proclamado sua independência, libertando-se de Portugal.
Joaquim José acrescenta que os impostos excessivos tornavam o povo disposto a seguir um chefe que os quisesse libertar. E Maciel fala do possível auxílio estrangeiro a um novo regime republicano, que se instalasse no Brasil. Paula Freire fica ouvindo e pensando. Chega a dizer que Minas é apenas uma capitania dentre muitas. Mas os dois conspiradores estão preparados, falam que as outras também apoiariam. Joaquim José assegura que o Rio e São Paulo estão dispostos a acompanhar Minas Gerais. Maciel lembra que, se o ouro ficasse no Brasil, Portugal não teria recursos para manter uma guerra.
E o tenente-coronel, pensando e ouvindo, concorda. Pronto: as tropas da rebelião contra a Coroa já tinham em Paula Freire o seu comandante.
Joaquim José não espera mais nada. Redobrou a propaganda da revolta. E, falando de Barbacena, ameaça:
— Sinto em mim o valor necessário para pôr esse general de Paraibuna abaixo! Que vá para o Reino e que diga lá que não precisamos mais deles! Somos mazombos (brasileiros, filhos de portugueses) e sabemos governar!

Na casa de Cláudio Manuel da Costa reuniram-se os poetas inconfidentes.

A primeira reunião dos conspiradores aconteceu em fins de 1788, na casa do Tenente-Coronel Paula Freire. A eles se unira o Padre Carlos Correia de Toledo e Melo, vigário de São João del Rei, homem rico e influente. O tenente-coronel lembrou mais alguns nomes que poderiam participar do movimento. E a conspiração foi crescendo com a participação do Cônego Luís Vieira da Silva, do Padre Oliveira Rolim e dos poetas e juristas Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto. Com o correr do tempo, mais nomes se juntariam aos primeiros. Não tinham chefe, pois "todos eram cabeças". E as reuniões prosseguiam, com as opiniões exaltadas de Tiradentes, a palavra de Maciel garantindo o apoio externo e a concordância de Paula Freire, que via possibilidade de vitória no terreno militar.
E Tiradentes dá início à campanha revolucionária aberta. Num tempo em que criticar o soberano era crime gravíssimo, o Alferes chega à temeridade, defendendo suas ideias em qualquer lugar em que estivesse. Sua técnica é simples: aborda as pessoas e, conforme a condição do ouvinte, ora denuncia a derrama, ora a injustiça social ou a violência das autoridades. Mas sua intenção não é apenas evitar a derrama ou diminuir os impostos.
Por motivos puramente fiscais, já em 1720 Vila Rica tinha sido palco de um protesto-monstro contra a Coroa, protesto logo sufocado e que resultou na condenação do principal responsável — o português Filipe dos Santos — à pena de morte e esquartejamento.
Mas Tiradentes não quer que o povo de sua terra se revolte apenas para lutar contra impostos. Quer a liberdade do Brasil. E assim iniciou-se a Inconfidência, como seria conhecida a rebelião, já que os revoltosos estavam negando fidelidade à Coroa portuguesa.

Os planos para tomar o poder

A guerra da independência dos Estados Unidos tivera início sob o impacto da cobrança de um imposto sobre o chá (1773). Os brasileiros contavam com a derrama. No momento da decretação da cobrança dos impostos atrasados, haveria clima para deflagrar o movimento e conquistar o apoio popular.
Os planos foram traçados: na ocasião da derrama, Tiradentes, depois de prender o governador, despertaria Vila Rica aos gritos de liberdade. A pretexto de restaurar a ordem, Paula Freire e suas tropas ocupariam a cidade e, com Vila Rica sob controle, declararia sua adesão à Inconfidência. As vilas vizinhas estavam prontas para dar o apoio preciso: o Padre Rolim garantia a adesão de Sêrro Frio; o Cônego Melo e seu irmão, sargento-mor e comandante de cavalaria Luís Vaz de Toledo Piza, respondiam por São João del Rei, enquanto Alvarenga Peixoto vinha preparando a sedição na povoação de Campanha.

No mastro central desta praça de Vila Rica, em frente à Casa da Câmara e Cadeia (hoje Museu da Inconfidência de Ouro Preto), o povo pôde ver Tiradentes pela última vez.

Os inconfidentes sabiam que haveria luta. E se preparavam para ela. Nos primeiros dias, o Padre Rolim, homem rico, fazendeiro, entraria com pólvora e cem homens armados. Mais pólvora deveria vir de Domingos de Abreu Vieira, um velho comerciante e fazendeiro. Isso daria tempo a que Maciel instalasse uma fábrica de pólvora. A coisa entra em ritmo de urgência: Tiradentes queria que se proclamasse a República, mas o nome do novo país não ficou decidido, porque a maioria dos conjurados queria antes saber até que ponto o Brasil estava disposto a livrar-se do domínio português. Redigem um projeto de Constituição; a capital deve ser transferida para São João del Rei; Vila Rica em troca, vai ganhar uma universidade; debatem o fim da escravidão, mas deixam a questão em suspenso, já que alguns não acham o momento oportuno. Tiradentes propõe que a bandeira da nova república seja um triângulo simbolizando a Santíssima Trindade, riscado em vermelho sobre fundo branco. Alvarenga sugere uma inscrição tomada ao poeta latino Virgílio: Libertas quae sera tamen — Liberdade ainda que tardia. Agora é só esperar que Barbacena decrete a derrama. Os inconfidentes resolvem não mais se reunir e combinam uma senha: — Tal dia é o batizado. O dia do "batizado" seria a data da derrama.

Entre os heróis, um vilão

O Coronel Joaquim Silvério dos Reis, fazendeiro e minerador no lugar chamado Igreja Nova da Borda do Campo (hoje Barbacena), comandante de tropa em São João del Rei, pessoa de reputação duvidosa, chegou à conspiração através do Sargento-Mor Toledo Piza. Embora não o apreciando, os inconfidentes aceitaram a aproximação. Silvério dos Reis devia enorme quantia ao Governo português e ficaria arruinado com a derrama. Assim, os conspiradores julgaram poder confiar nele. Mas não lhes ocorreu que, para alguém como Silvério, haveria formas mais fáceis e menos arriscadas de livrar-se de suas dívidas. Introduzido no movimento, conheceu todos os segredos. Tinha até missão para o dia da revolta: levaria duzentos escravos armados para guardar a estrada do Rio de Janeiro, por onde deveriam vir as tropas do vice-rei fiéis à Coroa portuguesa.
Mas eram outros os planos de Silvério dos Reis. Com todas as informações sobre a Inconfidência, a 15 de março de 1789 correu ao palácio de Barbacena para trocar a cabeça dos companheiros pelo perdão das suas dívidas. Barbacena ouviu e meditou. Não era homem de precipitações. Julgava Silvério dos Reis um homem de "mau coração". Fez divulgar surdamente que já sabia de tudo e esperou por novos traidores que confirmassem o primeiro. Logo apareceram Basílio de Brito Malheiros e Inácio Correia de Pamplona, tudo contando ao governador. Barbacena, para ganhar tempo, suspendeu imediatamente a decretação da derrama.
Nesse instante crucial, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier não estava em Vila Rica: tinha ido ao Rio com a desculpa de ver como iam os seus requerimentos de obras públicas, para conseguir o apoio da guarnição carioca. Sua ausência na hora da delação e da descoberta dos planos auxiliou o desmoronamento da rebelião.
Amedrontados pela decisão de Barbacena, os conspiradores limitaram-se a aguardar os acontecimentos. A decisão e iniciativa, que poderiam ter sido a garantia de vitória, ficaram aos portugueses. E começaram as prisões.
Faltaram à conspiração mineira mais homens arrojados como Tiradentes e Oliveira Rolim, mais homens de inteligência e sangue frio como Álvares Maciel. A rebelião seria esmagada sem que um tiro fosse disparado.

Outra vez, uma traição

O cavaleiro que parte de Vila Rica rumo ao Rio leva torpe missão. É ele mesmo, o delator Silvério dos Reis, que a mando de Barbacena vai espionar Tiradentes para facilitar ao vice-rei o trabalho de prendê-lo. O traidor encontra sua vítima e lhe relata os fatos de Minas: a derrama está suspensa, Barbacena desconfia de alguma coisa.
Joaquim José sente que a revolução corre perigo, mas não desconfia de Silvério e até lhe conta que estava sendo seguido por homens que sabia serem soldados da capitania do Rio, chegando mesmo a levar queixa ao Vice-Rei Dom Luís de Vasconcelos e Sousa, perguntando-lhe se era acusado de algum crime. Vendo seus planos ameaçados, o Alferes decide voltar a Minas: consegue iludir os espiões que o vigiavam e, sempre no Rio, esconde-se em casa de Domingos Fernandes da Cruz, de onde começa a preparar a viagem de regresso. Não lhe foi fácil arrumar casa que o recebesse. Teve até que dissimular com Dona Inácia, sua comadre, a quem disse que o vice-rei queria culpá-lo por um crime ocorrido em Minas e não lhe dava passaporte, pretendendo prendê-lo. Porque era viúva e porque tinha filha solteira, Dona Inácia não quis recebê-lo. Mas, como lhe devia favor — Joaquim José tratara e curara uma feia ferida na perna de sua filha —, a viúva arruma-lhe lugar na casa do torneiro Domingos, na Rua dos Latoeiros, hoje Gonçalves Dias. E lá está o Alferes tramando planos de fuga, quando uma imprudência põe tudo a perder.
Joaquim José queria notícias de Minas e, para obtê-las, mandou um amigo, o Padre Inácio Nogueira, à procura de Silvério dos Reis. Outra vez, o traidor foi fiel à traição e entregou o padre ao vice-rei. O sacerdote inconfidente Inácio Nogueira resistiu o quanto pôde, mas as torturas acabaram por vencê-lo, levando-o a indicar a casa onde estava o Alferes. Uma patrulha saiu em sua busca. E é assim que, a 10 de maio de 1789, a casa de Domingos Fernandes da Cruz é cercada. Prendem Joaquim José com um bacamarte na mão, mas já sem poder resistir.

Eram muitos os inimigos. Com apenas um bacamarte, nada pôde fazer o Alferes quando foi preso no Rio.


Agonia de um sonho

Enquanto isso, em Vila Rica, os conspiradores se dividiam. Apenas o Padre Oliveira Rolim tentava começar o levante de qualquer maneira, só desistindo quando achou que a tarefa tornara-se impossível. Não ficou notícia da posição do jovem Maciel. Supõe-se que, ao lado do padre, tenha procurado levar adiante o movimento. Mas era muito tarde.
E Gonzaga, o poeta e jurista, também procurou Barbacena. Não sendo propagandista apaixonado, nem teórico da causa, e tendo tido atuação discreta, sentia-se capaz de passar como inocente aos olhos da Coroa. Quando a derrama foi suspensa, Gonzaga esteve no palácio para cumprimentar Barbacena pelo ato. Mas o governador já o tinha sob os olhos e, onze dias após a prisão de Tiradentes, Gonzaga foi detido, apesar de ser ouvidor (juiz de direito), de ter posição elevada e de ser amigo de Barbacena.
Com a derrota, os homens revelavam-se: Alvarenga Peixoto aconselhava que, se fossem presos, deviam negar tudo; o Cônego Melo, acovardado, recusava-se até a falar no assunto; e o Tenente-Coronel Paula Freire, a quem deveria caber a iniciativa de resistir ao Governo com seus soldados, abandonou a cidade, indo para sua fazenda, de onde voltou para denunciar os companheiros e tentar salvar-se. Traiu, mas não conseguiu escapar.

Dias depois, em Vila Rica, seus companheiros também eram detidos. Mais tarde, uma trágica expedição os levaria para o Rio de Janeiro.

As prisões foram numerosas. Ia começar a devassa, inquérito rigoroso para julgar os acusados de sedição, um crime infame, segundo a Coroa portuguesa. Por decisão real, o processo correu no Rio de Janeiro. Antes de ser transferido para o Rio, um dos prisioneiros, o poeta Cláudio Manuel da Costa, sessenta anos, suicidou-se ou foi morto na prisão de Vila Rica.
No Rio de Janeiro, mantidos em celas individuais, só se avistando com seus interrogadores ou com os delatores com quem eram acareados, os inconfidentes aguardaram a sentença durante três longos anos. Completamente isolados do mundo, com os bens sequestrados e a família posta na miséria, os prisioneiros esperavam. Os poetas encontravam alento para escrever. Tomás Antônio Gonzaga lembrava-se dos momentos passados com sua noiva:

"Que diversas que são, Marília, as horas
que passo na masmorra imunda e feia,
dessas horas felizes, já passadas
na tua pátria aldeia".


Esta é Joaquina, noiva do poeta Tomás Gonzaga. Com o nome de Marília, foi a inspiradora de muitos versos de amor.


Alvarenga Peixoto dedicava seus versos à esposa Bárbara Heliodora aos seus filhos:

"Eu não lastimo o próximo perigo,
uma escura prisão, estreita e forte.
Lastimo os caros filhos, a consorte,
a perda irreparável de um amigo”.

O amigo a quem Alvarenga se refere era Cláudio Manuel da Costa. Pouco a pouco, sob o peso da coação moral e da agressividade dos interrogatórios, os inconfidentes se entregaram.
O primeiro a ceder foi Alvarenga. Em lágrimas, sob a mais violenta crise, contou tudo. E, um a um, os outros todos se declararam culpados. Somente Gonzaga resistiu até o fim, insistindo na sua inocência, fortalecido pela absoluta falta de provas contra si.

Para libertar seus companheiros, Tiradentes assumiu toda a culpa e se manteve sereno e tranquilo, mesmo depois de conhecer a sentença final.

Em três interrogatórios, Tiradentes tudo negou. Mas no quarto, a 18 de janeiro de 1790, apareceu com resolução nova. Confessou. Não quis, entretanto, que seu ato fosse inútil e, frustrado em libertar sua pátria, tentou ao menos salvar os companheiros. E confessou não só a sua participação, mas assumiu a culpa de todos. Mentiu ser o único chefe e apresentou os companheiros como inocentes a quem pervertera.

Catorze homens para a forca

No processo estavam envolvidos 34 acusados. Muitos tinham tido papel secundário, alguns nem mesmo participação ativa.
A 18 de abril de 1792, os cinco réus padres receberam a sentença: três deles, o Cônego Melo, o Padre Rolim e o Padre José Lopes de Oliveira, foram condenados à forca; os outros dois, atingidos pelo degredo perpétuo — seriam expulsos do Brasil e enviados para lugar remoto, em alguma outra colônia, até morrerem.
No dia seguinte, 19, às 2 da madrugada, os oficiais da Justiça entraram na cadeia com a sentença para os 29 civis e militares. Pela primeira vez, desde a prisão, os inconfidentes estavam juntos. Os três anos de incomunicabilidade — passados em isolamento, inquisições e formalidades processuais — lhes deram um violento desejo de falar. E falando, alguns se acusando, passaram horas, até a chegada da volumosa sentença, que levou dezoito horas para ser escrita, e cuja leitura só terminou depois de duas duras horas.
Os nomes dos réus, com suas culpas, desfilaram um a um, até que o escrivão passou a ler as penas. Paula Freire, Maciel, Alvarenga, Domingos de Abreu Vieira, Francisco Antônio de Oliveira Lopes e Luís Vaz de Toledo Piza, irmão do Cônego Melo, iam ser enforcados e suas cabeças cortadas e colocadas em postes altos, em frente de suas casas, "até que o tempo as consuma". Salvador Carvalho do Amaral Gurgel, José de Resende Costa, pai, José de Resende Costa, filho, e Domingos Vidal Barbosa seriam enforcados, com infâmia para os descendentes até a terceira geração, mas não teriam as cabeças cortadas.
Tomás Antônio Gonzaga e os demais receberam o degredo perpétuo, a ser cumprido na África. Só alguns poucos foram absolvidos, depois de terem sofrido três anos de prisão.
Digno e sereno, Tiradentes ouviu a sua sentença:
— Portanto condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi da tropa paga da capitania de Minas, a que com braço e pregação seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde em o lugar mais público dela será pregada, em um poste alto até que o tempo a consuma; e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregado em postes, pelo caminho de Minas, no Sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações até que o tempo também os consuma; declaram o réu infame, e seus filhos e netos, tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no Chão se edifique, e, não sendo própria, será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e no mesmo chão se levantará um padrão, pelo qual se conserve a memória desse abominável réu.

46 anos depois, seus bens seriam confiscados. Este relógio foi o que de melhor a Coroa recebeu.

Mas os bens de Tiradentes não enriqueceram o tesouro de Dona Maria I, a Rainha Louca: um par de esporas de prata, um par de fivelas, duas navalhas de barbear, um espelho, uma bolsa com ferros de dentista, uma bússola, um canivete, uma caixinha de chifre e um relógio marca Elliot. Isso era tudo o que possuía o autor, segundo os juízes, de um grande crime:
— Mostra-se que entre os chefes e cabeças da conjuração, o primeiro que suscitou as ideias de república foi o réu Joaquim José da Silva Xavier, o qual há muito tempo que tinha concebido o abominável intento de conduzir os povos da capitania de Minas a uma rebelião.
Após a leitura da sentença, reunidos réus e confessores, houve muito choro, lamentações e pânico. Domingos Vidal Barbosa ria como louco. Alvarenga rezava e falava nos filhos. Maciel lia uma Bíblia e procurava consolar os companheiros mais desesperados.
A um canto, com seu confessor, Frei Raimundo de Penaforte, Tiradentes murmura, quase numa oração:
— Se Deus me ouvisse, só eu morreria e não eles.
E, como se Deus atendesse ao apelo, no dia seguinte, todas as penas de morte foram comutadas para o degredo, exceto uma. A Coroa fazia questão de enforcar ao menos um dos conspiradores, para que servisse de exemplo: Tiradentes fora o escolhido.
A louca alegria foi geral. Houve até quem, entre os condenados, desse vivas "à nossa clementíssima soberana Dona Maria I". E na confusão ninguém prestou atenção a Tiradentes, ninguém lhe agradeceu o papel heroico e digno. Somente Frei Penaforte recolheu lhe as palavras:
— Dez vidas eu daria, se as tivesse, para salvar as deles.

A longa marcha para a morte

Arreios de prata refletem o sol que nasce. O desfile das montarias militares, com suas mantas coloridas, acorda a cidade do Rio de Janeiro. A Rua do Piolho, onde está a cadeia, o Largo da Lampadosa e o Campo de São Domingos estão cheios de gente. Os soldados, em posição de sentido, são inspecionados pelo filho do novo vice-rei, o Conde de Resende. As janelas estão apinhadas. As tropas fazem alas da cadeia ao Campo de São Domingos.
O objetivo da Coroa era fazer da execução uma festa. Mas na manhã ensolarada a multidão tem o rosto sombrio. Todos sabem que aquilo tudo não passa de um enterro.
Um frade pede esmolas. Com o dinheiro pretende mandar rezar uma missa pelo condenado. Todos contribuem com suas moedas, enquanto a curtos intervalos um funcionário lê solenemente a declaração real:
— Justiça que a Rainha Nossa Senhora manda fazer a este infame réu Joaquim José da Silva Xavier, pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constitui chefe e cabeça na capitania de Minas, com a mais escandalosa temeridade contra a Real Soberana e suprema autoridade da mesma Senhora que Deus guarde.

A Revolução Francesa levou esta mulher à loucura: ela temia perder o seu trono.

Era o dia 21 de abril de 1792. O ar estava cheio de vozes e de tambores. Às 7 da manhã, o negro Capitânia, que vai servir de carrasco, entra no oratório da cadeia, onde está Tiradentes. Traz nos braços comprida e grossa corda e o camisolão branco dos condenados. Joaquim José está sem barba, o cabelo todo raspado, preparado para enfrentar a morte. O carrasco lhe pede perdão pelo que o obrigam a fazer. Tiradentes beija-lhe as mãos. E, sem roupa alguma, veste o feio manto dos que vão para a forca, dizendo:
— Meu Salvador morreu também assim, nu, por meus pecados.
Recebe no pescoço a corda do carrasco. Não são ainda 9 horas e começa o triste cortejo. Sai à frente uma companhia de soldados. Depois, os frades dizendo orações. E, em seguida, Tiradentes, laço no pescoço, a ponta da corda segura pelo carrasco. Ao seu lado, funcionários da Justiça e, quase abraçado ao condenado, Frei Penaforte reza com ele. Mais atrás, os representantes da Coroa, guardados por outra companhia de soldados. No fim, um carroção desajeitado: ali colocarão os pedaços de um corpo que será esquartejado.

Apesar de descalço, metido em uma camisola, Tiradentes nada tem de ridículo. Ele é forte: a cabeça alta, o porte ereto, o passo firme, marcha para a forca. Há um clamor no Largo da Lampadosa: o condenado está chegando. Tiradentes entra na praça, sobe os degraus do patíbulo, beija o crucifixo e dirige-se ao carrasco:
— Acabe logo com isso.
Mas há sermão. É Frei José Jesus Maria de Desterro quem fala: explica que a cena que vai ser vista não é cruel, que é apenas justiça que a piedosa soberana Dona Maria I manda fazer contra o réu, autor do mais hediondo dos crimes: a sedição.
Outra vez, Tiradentes pede ao carrasco que acabe logo com tudo. Mas o padre continua falando da benignidade da rainha e da infâmia do condenado ainda por uma hora e meia.
Fim do discurso impiedoso. Reza-se o Credo. Os tambores não cobrem a voz de Tiradentes, que reza com o povo. Súbito, no meio de uma frase, um baque surdo. O bater dos tambores cresce, o corpo de Tiradentes balança no ar.
O carrasco cavalga o corpo do herói, trepa-lhe nos ombros, para apressar o fim. São 11 horas e 20 minutos. O sol vai alto. Tiradentes está morto.
Frei Raimundo de Penaforte, o confessor, abençoa o corpo. Mais tarde escreveria:
— Foi um daqueles indivíduos da espécie humana que põem em espanto a própria natureza. Entusiasta, empreendedor com o fogo de um Dom Quixote, habilidoso com um desinteresse filosófico, afoito e destemido, sem prudência às vezes e outras temeroso ao cair de uma folha, mas o seu coração era bem formado.
Um espírito inquieto, um homem leal, esse Alferes Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, herói sem medo de todo um povo.

O carrasco Capitânia conhece sua vítima: de pé, descalço, seminu, está um homem pronto para tudo.

A Coroa quisera, com o espetáculo do enforcamento, afirmar o seu domínio sobre a colônia brasileira. Tiradentes tentara, com o sacrifício, salvar os companheiros e abrir ao povo o caminho da emancipação política.
Na morte, venceu Tiradentes. Apenas uma semana depois da execução registrava-se um novo ato de desobediência ao Governo de Portugal: apesar da vigilância dos guardas, desaparece a cabeça de Tiradentes, espetada num poste de Vila Rica.
O roubo da cabeça, embora possa ter sido apenas um ato de piedade cristã, mostra também que o Governo não mais intimidava o povo. Os traidores souberam disso pelo rancor que a população lhes devotava. Silvério dos Reis escreveu ao vice-rei, dizendo que "tudo fizera por Sua Majestade ... e agora só recebia em troca inquietação e desassossego". Também Basílio de Brito Malheiros — o outro traidor — revelou em seu testamento que vivera com receio de ser assassinado.
Os habitantes de Minas Gerais estavam mais preparados para a revolta do que supunham os próprios inconfidentes. Não fossem a indecisão e a pusilanimidade de Paula Freire, o comandante das tropas, e é possível que a história da Independência do Brasil tivesse sido diferente.
Uma parte de insegurança que a Inconfidência mostrou nos momentos decisivos talvez se deva ao isolamento de Minas, pois os rebeldes não tinham certeza de como se comportariam as demais capitanias, uma vez iniciado o levante. Numerosas vezes, as palavras de Paula Freire expressaram tal preocupação. E, no entanto, em todo o Brasil já crescia a revolta.
Menos de dois anos depois da morte de Tiradentes, o Governo português iniciava uma nova devassa, desta vez no Rio de Janeiro, prendendo o poeta Silva Alvarenga e o bacharel Mariano José Pereira, futuro Marquês de Maricá, entre outros. Era o temor à rebelião que se alastrava. E, em 1798, a conjuração explode na Bahia, envolvendo 669 pessoas, a maioria das quais não pôde ser localizada. Desta vez, a repressão portuguesa enforcou quatro revoltosos (João de Deus, Lucas Dantas, Manuel Faustino e Luís Gonzaga), gente humilde — alfaiates e sapateiros — que pretendia fazer do Brasil uma república.
A cada instante tornava-se mais difícil a Portugal impedir que as ideias liberais se propagassem pelo Brasil. E, em cada novo pensamento rebelde, em cada gesto de desobediência política, em cada desejo de liberdade estava a sombra de um homem enforcado. Tiradentes mostrara o caminho.

Cumpriram a sentença brutal até o fim.



TIRADENTES é uma publicação em fascículos encadernáveis da coleção
GRANDES PERSONAGENS DA NOSSA HISTÓRIA - Volume I
ABRIL CULTURAL.
Editor: Victor Civita
Supervisão: Prof. Sérgio Buarque de Holanda
Colaboração Editorial: Luís Fernando Mercadante
Publicado em 1969