domingo, 24 de agosto de 2014

RUMO ÀS ALTURAS


Em agosto de 1941 um caça britânico foi abatido em território francês ocupado. O piloto foi transportado para o hospital militar de Saint-Omer.
Um médico alemão o examinou e verificou com grande espanto que ele tinha as duas pernas amputadas!
Para os homens da Luftwaffe este piloto não era um desconhecido: sabiam que se tratava de um dos grandes ases britânicos da aviação, talvez o mais famoso dos comandantes da Real Força Aérea.



Quando Douglas Bader, com 19 anos, era cadete em Cranwell, a academia da Real Força Aérea, seu instrutor de pilotagem disse: "Este jovem ou ficará famoso ou se matará". Parecia que era apenas uma questão de saber qual das duas coisas aconteceria primeiro.
Desde o começo Douglas Bader revelara possuir as qualidades de um soberbo aviador. Tinha a coordenação do atleta nato (brilhava em todos os esportes, do futebol ao boxe) e voava com exuberância e com absoluto destemor. Mas era dado a aceitar logo qualquer desafio e jovialmente transgredia todos os regulamentos menos importantes. No esquadrão de caça onde foi classificado depois de concluir o curso ficou conhecido por suas acrobacias aéreas de arrepiar os cabelos, que ele se deliciava em executar a altitudes perigosamente baixas.
Os pilotos treinados para a guerra não são recrutados por sua cautela, e às vezes a sua temeridade prevalece sobre a competência. No dia 14 de dezembro de 1931, Bader, que tinha acabado de completar 21 anos, voou para um aeródromo próximo a fim de visitar uns amigos. Conhecendo a fama que granjeara por suas acrobacias aéreas, alguém lhe pediu que, a título de demonstração, "batesse" o campo — uma manobra de voo rasante sobremodo arriscada e rigorosamente proibida aos pilotos da RAF. Bader hesitou um instante, pois o seu novo caça Bulldog, embora mais rápido, era também mais pesado e menos maneável que o avião em que vinha voando anteriormente. Em seguida decolou, inclinou o avião de lado e virou para trás a fim de dar uma passada rasante sobre o campo. Cruzou como um raio a cerca divisória, com o motor rugindo, empurrou o mancho e puxou o manete para manter o motor funcionando, enquanto o Bulldog virava de dorso. Sentiu que o aparelho começava a afundar, e procurou a todo custo fechar a curva. Tinha quase completado a volta quando a ponta da asa esquerda tocou no solo e lançou o nariz para baixo. Quando a hélice e o motor explodiram de encontro ao solo, o Bulldog virou uma cambalhota lateral e se amarrotou numa massa confusa que parecia uma bola de papel.
Preso nas correias, Bader nada sentiu, e ouviu apenas um ruído terrível. Quando sua mente clareou, sentiu, no repentino silêncio que se seguiu, uma sensação estranha nos joelhos e notou que suas pernas estavam em posições esquisitas. A perna esquerda tinha ficado presa debaixo do assento quebrado, de modo que ele estava sentado nela. O pé direito estava enfiado lá no outro canto da carlinga, e a perna do macacão branco e limpo estava manchada de sangue. Havia algo atravessado no joelho. Lembrava um pouco a barra de direção. Muito estranho. Olhou aquilo abstratamente, e por algum tempo não sentiu nenhum impacto, até que se cristalizou um pensamento desagradável: "Maldição! Não vou poder jogar rugby sábado".

No hospital civil para onde o levaram a toda pressa, o médico amputou-lhe a perna direita (que já estava quase solta) acima do joelho esmagado. E dois dias depois, quando a perna esquerda ferida gangrenou, também esta foi amputada 15 centímetros abaixo do joelho.
Não se sabe como, Bader conseguiu resistir ao choque do desastre e da primeira operação, agarrando-se à vida por um fio. Depois da segunda operação levou umas 24 horas para ficar de fato consciente. Despertou presa de uma dor aguda e incessante.
— Minha perna esquerda está doendo — queixou-se.
Deram-lhe morfina para aliviá-lo, mas a dor continuou implacável.
Seus olhos ficaram inquietos e mergulhados em negras olheiras, o rosto cinzento e ceráceo, brilhando sob uma camada de suor. Durante dois dias ele alternou entre períodos de inconsciência e momentos de vigília, e então a dor constante lhe atormentava o corpo e seu espírito vagava num indefinido meio-mundo.
Depois o moço despertou e a dor tinha desaparecido. Não sentia absolutamente o corpo, embora sua mente estivesse perfeitamente clara. Ficou imóvel, olhando através da janela para um trecho de céu azul, e um pensamento cheio de paz se insinuou na sua mente: "Isto é agradável. Basta fechar os olhos agora e inclinar-me para trás, e está tudo bem". Uma paz morna ia-se apoderando dele, seus olhos iam-se fechando e sua cabeça parecia mergulhar no travesseiro, quando começou a penetrar numa doce névoa de sonhos.
Pela porta do quarto entreaberta uma voz incorpórea de mulher chegou até ele: "Psiu! Não faça tanto barulho. Há um rapaz morrendo ali".
As palavras vibraram dentro dele como um choque elétrico, disparando este rápido pensamento: "Então a coisa é essa! Sim, eu vou morrer!" O desafio o mobilizou e ele parou de entregar-se. Quando a sua mente começou a clarear, de novo tomou contato com a realidade e a dor voltou-lhe à perna. Daquela vez, por uma razão qualquer, não se incomodou; foi quase agradável, porque sentiu que voltara à normalidade. "Não devo deixar que isto aconteça outra vez", pensou. (Mas desde aquele momento nunca teve medo de morrer. Mais tarde isso viria a ter um profundo efeito sobre a sua vida).
Nos dias que se seguiram, Bader passou, inesperadamente, a se agarrar à vida. Embora tivesse pouco depois entrado em coma e assim permanecesse 48 horas, sobreviveu a essa recaída e aos poucos se restabeleceu. Entrementes, o hospital inteiro sabia, com uma espécie de fascinante terror, que ele não tardaria a ter conhecimento da extensão do que lhe acontecera.
Durante um período de lucidez em seguida à primeira operação, Bader tinha percebido que a perna direita fora amputada, tendo examinado sub-repticiamente, debaixo da roupa de cama, o coto envolto em ataduras. Mas não sabia ainda que tinha perdido a perna esquerda também. Uma das enfermeiras, temendo, que ele por acaso descobrisse e o choque o pusesse de novo em perigo, tentou contar-lhe com tanto jeito e um ar tão despreocupado quanto possível, mas seu cérebro, entorpecido pelas drogas, não registrou as palavras da enfermeira.
Ele o soube no dia seguinte, quando o comandante do seu esquadrão foi visitá-lo. Com a mente tornada lúcida pelo tormento, Bader queixou-se de que a perna esquerda lhe doía tanto que desejaria que a tivessem cortado como fizeram com a direita.
— Essa não dói nada!
— Você talvez não quisesse que lha cortassem se não doesse — disse o oficial, nervosamente consciente do drama.
— Não sei o que eu quereria se ela não doesse. Só sei que estou saturado disto tudo e, por Deus, agora eu queria que tivesse sido amputada.
— A verdade, Douglas — disse lentamente o comandante do esquadrão — é que ela foi amputada.
Dessa vez ele entendeu bem.

Bader lançou-se com feroz resolução à tarefa de conseguir locomover-se. Seis semanas depois do acidente foi-lhe colocada uma perna de pau no coto esquerdo (onde havia ainda o joelho), a fim de que pudesse tentar andar de muletas. Quando se apoiou na perna de pau, o joelho dobrou; não tinha força nenhuma. Embora o tentasse repetidamente, levou três dias para poder dar dois passos claudicantes, sem ajuda. Mas dali a pouco estava andando sozinho e passava horas caminhando com seus cotos de perna pelo jardim do hospital.
Mas antes de poder usar membros artificiais adequados Bader teve de ser operado outra vez. Os cotos tinham murchado tanto que havia perigo de o osso furar a pele, e por isso era preciso aparar um pouco o osso de cada perna. Bader submeteu-se à operação quase com alegria.
Enquanto ficou de cama esperando que os cotos sarassem de novo, estudou os encorajantes folhetos que lhe haviam sido enviados pelos fabricantes de membros artificiais. Esses folhetos lhe deram a sensação de que quando tivesse as novas pernas poderia levar uma vida razoavelmente normal; talvez não pudesse jogar rugby, mas com certeza poderia andar e dançar (coxeando um pouquinho, talvez), guiar automóvel, é claro, e voar também. Não via por que não. Voar era, sobretudo, olhos e mãos e coordenação, e não pés.
"Eles não podem desligar-me da RAF", dizia. Afinal de contas, conhecia um piloto militar que tinha perdido uma perna na Primeira Guerra Mundial e ainda voava. Alguém lhe falou num amigo que perdera uma perna e ainda jogava tênis. A rigor, todo o mundo vivia a falar-lhe de pessoas de uma perna só que haviam vencido, embora ele notasse que ninguém parecia conhecer alguém que tivesse perdido ambas as pernas e sobrepujado isso.
Às vezes, o bem intencionado encorajamento dos amigos o deprimia. "É claro que vão deixar você continuar na Aviação", diziam com veemência um tanto excessiva. (Vão deixar-me ficar... Caridade!) "Mesmo que você não possa voar, podem dar-lhe uma função em terra". Mas a ideia de uma função em terra enquanto os camaradas voavam o revoltava.
— De qualquer modo, o senhor ainda poderia fazer nova carreira num gabinete — disse-lhe a enfermeira para animá-lo.
— Gabinete — replicou ele com desprezo. — Fechado num gabinete o dia inteiro! Amarrado a uma mesa! Não haverá vida para mim se tiver de deixar a Aviação.

Uma preocupação desapareceu quando oficiais superiores da Aeronáutica o visitaram para apurar o acidente. Suas conclusões contornaram habilmente a questão da culpa, considerando que, fosse o que fosse que tivesse havido, Bader já tinha sofrido mais do que o suficiente.
Em meados de abril ele foi transferido para o hospital da Aeronáutica em Uxbridge. Ali a atmosfera era toda militar. Os enfermeiros eram quase todos soldados, respeitosos mas distantes, e as costumeiras restrições militares foram a princípio incômodas. Mas Bader encontrou na enfermaria alguns dos seus antigos companheiros e naturalmente se sentiu à vontade entre eles. Na realidade, a RAF era a sua casa.
Chegou, então, o momento que ele vinha esperando. Os médicos da Aeronáutica enviaram-no a Londres a fim de tirar as medidas para os membros artificiais. Ali encontrou Robert Desoutter, que fez moldes de gesso dos seus cotos e lhe disse que enviasse um par de sapatos velhos a fim de poderem arranjar-lhe pés do tamanho certo.
— Prepare-os o mais depressa possível, sim? — pediu Bader. — Eu quero levar uma pequena a um baile.
— Vamos fazer tudo que estiver ao nosso alcance — respondeu Desoutter, pensando, erradamente, que ele estivesse brincando.
Duas semanas depois, quando voltou para uma prova, suas pernas novas de metal estavam prontas.
— Bonitas, não? — disse Desoutter. — Veja só como são musculosas!
Bader sorriu.
— O senhor vai ficar uns três centímetros mais baixo do que era — continuou Desoutter.
O sorriso apagou-se.
— Por quê? — perguntou Bader, indignado.
— Para lhe dar melhor equilíbrio. Se as quiser maiores, sempre será possível aumentá-las.
Na sala de provas, Desoutter apresentou-lhe dois assistentes de avental branco, que o fizeram tirar a roupa toda, menos a camiseta e a cueca. Calçaram-lhe uma "meia" curta de lã no coto esquerdo e o introduziram numa cavidade revestida de couro na barriga da sua nova perna esquerda. Acima da barriga da perna havia umas barras de metal com dobradiças que se prendiam de cada lado do joelho e terminavam numa faixa de couro que era amarrada em volta da coxa. A sensação era muito boa e depois de alguns passos de ensaio atravessou facilmente a sala com o auxílio de muletas.
— Muito bem — disse ele com satisfação. — Vamos ver agora a perna direita.
Trouxeram-na. A coxa era um cilindro de metal que subia até a virilha e tinha umas correias que iam dar num grosso cinto e outras que davam volta por cima dos ombros. Enquanto encaixavam o coto direito na funda cavidade e afivelavam as inúmeras correias, Bader sentiu-se como se estivesse sendo metido numa camisa-de-força. Ajudaram-no a pôr-se de pé, e dessa vez não lhe deram muletas.
Quando seu peso descansou sobre ambas as pernas, sentiu-se desesperadamente desequilibrado, o coto direito doeu-lhe, ficou inteiramente sem ação e as próprias correias pareciam tolhê-lo. Além disso, quando tentou balançar para frente à perna direita, ela não se moveu. Sem músculos dos dedos do pé ou do tornozelo que o impulsionassem para frente, aquela perna direita formava uma firme barreira e êle só conseguiu pôr-se em cima dela e transpô-la quando os assistentes de Desoutter o empurraram para frente.
— Meu Deus, isto é completamente impossível — exclamou ele com pungente desespero.
— Isso é o que todos dizem na primeira vez — disse Desoutter. - O senhor se acostuma. Não se esqueça de que o seu coto direito não faz movimento algum há quase seis meses.
Bader disse com amargura:
— Pensei que ia poder sair daqui andando e começar logo a praticar esportes e fazer outras coisas.
— Escute — disse Desoutter com muito jeito — acho que o melhor é o senhor ficar sabendo que nunca poderá andar sem bengala.
Bader olhou para ele com intenso desânimo e, em seguida, quando o desafio o animou, êle replicou combativamente:
— Uma ova! Eu nunca andarei de bengala!
Em sua obstinada raiva, ele de fato estava falando sério. E com furiosa resolução passou os braços sobre os ombros dos assistentes de Desoutter e começou a aprender a técnica de usar as novas pernas. Seguindo as instruções deles, aprendeu que tinha de dar um chute para frente com o coto direito a fim de mover a perna, dar-lhe um arranco seco para baixo outra vez para pôr o joelho reto e depois — o mais difícil de tudo — fazer peso para frente até ficar precariamente equilibrado no enfraquecido coto direito. Como tinha ainda o joelho esquerdo, conseguia com facilidade mover para frente à perna esquerda; em seguida recomeçava a luta para mover a perna direita.
Finalmente, após duas horas de esforço  exaustivo, com o rosto brilhando de suor, deu três ou quatro tropeções sincopados antes de ter de agarrar-se às barras paralelas.
— Pronto - disse ele rindo. — Agora o senhor pode ficar com as suas malditas bengalas.
Desoutter ficou surpreendido e satisfeitíssimo.
— Eu nunca tinha visto ninguém com uma perna fazer isso na primeira vez — disse ele.
Na visita seguinte foi um pouco mais fácil e não tardou que Bader conseguisse atravessar a sala sozinho, cambaleando. Nesse dia aprendeu também a virar-se, movendo-se instavelmente num apertado semicírculo. Já queria levar as pernas, mas Desoutter ainda precisava fazer mais uns ajustamentos. Na terceira visita, porém, depois de haver dominado a arte de se levantar de uma cadeira (com o joelho esquerdo bom fazendo o esforço e erguendo-o) e de subir escadas (subindo cada degrau com a perna esquerda primeiro e depois puxando a perna direita para junto dela), Desoutter disse:
— Agora pode levá-las. Quer que embrulhe?
— Nada disso! — replicou Bader com um sorriso. — Vou sair daqui andando com elas. Tome! — acrescentou, jogando-lhe a perna de pau e quase caindo ao jogá-la. — Pode fazer dela o que quiser.
Em seguida, com certo esforço vestiu pela primeira vez o resto da roupa por cima das pernas novas e olhou-se ao espelho. Estava em pé, vestido como um camarada qualquer. Parecia ser perfeitamente normal. Foi um momento impressionante.
— Agora, que tal uma bengala? — sugeriu Desoutter em tom persuasivo.
— Nunca! — respondeu Bader secamente. — Vou começar logo do modo que pretendo andar.
 — Francamente, acho que o senhor é incrível — disse Desoutter.

Os dias que se seguiram foram o pior período desde o acidente. Outra vez no hospital, dependendo inteiramente das suas estranhas pernas novas para mover-se, ele não parava de enfrentar problemas até então desconhecidos: organizar a sua rotina de ir para cama antes de tirar as pernas; aprender a técnica de equilíbrio para andar na grama, inteiramente diferente da necessária para andar em chão liso; combater o cansaço causado pelo tremendo esforço físico que cada movimento exigia.
Ia tropeçando, caindo com frequência, recusando secamente qualquer ajuda e erguendo-se para cambalear e cair outra vez. Hora após hora continuava teimosamente naquilo, com o rosto escorrendo suor que lhe brotava de todo o corpo, ensopando-lhe as roupas de baixo e, infelizmente, as meias dos cotos também, o que as fazia perder a maciez de lã e esfolar a pele dos rígidos e doloridos cotos. As bem humoradas brincadeiras com que os companheiros saudaram os seus esforços iniciais foram cessando à proporção que eles percebiam que estavam vendo um homem lutar para fazer algo que nunca fora feito com êxito até então.
Voltou várias vezes a Desoutter para reajustamentos. Aprendeu a evitar as esfoladuras usando talco e colocando esparadrapo nos pontos sensíveis, e os flácidos músculos do enfraquecido cato direito começaram a endurecer. Mas andar com as pernas novas ainda parecia uma dificuldade quase insuperável.
E então, uns dez dias depois de tê-las recebido, descobriu o primeiro indício de controle automático. Era como um homem aprendendo uma estranha língua que soa como um amontoado de sons confusos, até que um dia consegue pegar uma frase e entendê-la. Bader verificou que estava andando sem ter de se concentrar no movimento ou no equilíbrio; algum instinto automático parecia ter-se encarregado de parte do trabalho. Depois disso, embora a coisa estivesse longe de ser fácil, o progresso foi rápido. Conseguiu afinal passar um dia inteiro sem cair e, como clímax dessa vitória, aprendeu a virar-se girando sobre o calcanhar direito.
Mas Bader não se contentou em vencer a sua deficiência; estava resolvido a não transigir com ela de maneira alguma. Com um orgulho à flor da pele se dispôs a fazer tudo quanto fazem as demais pessoas. Mandou mudar os pedais do seu carro MG de maneira a poder acionar tanto a embreagem quanto o acelerador com a perna esquerda e, após um período de treino, não teve dificuldade em obter carteira de "motorista parcialmente inválido".
Numa importante visita que fez num fim-de-semana a um velho amigo verificou que ainda podia nadar... E, enquanto descobria isso, o sol lhe queimou tanto o ombro que ele ficou sem poder colocar as alças. Com imensa satisfação constatou que se arranjava bem com o cinto apenas, e nunca mais voltou a usar as incômodas alças do ombro.
Durante algum tempo pareceu que Bader ia realizar a sua ambição e que não tardaria a estar de novo no seu esquadrão, voando outra vez. Como primeiro passo para tornar a voar teve de passar num exame feito por uma junta médica. Em seguida, no fim do verão, recebeu ordens designando-o para a Escola Central de Voo a fim de ser experimentada a sua capacidade para voar.
Verificou que voar lhe era mais fácil do que dirigir automóvel e imediatamente demonstrou a sua competência para manejar qualquer avião. Por fim o Chefe da Instrução de Voo lhe disse:
— Você está perdendo tempo aqui em cima. Não há mais nada que lhe possamos ensinar.
E alguns dias depois Bader estava seguindo para Londres no seu carro para a aprovação final pela junta médica, necessária para a sua volta definitiva à Aviação.
Nem foi preciso que o médico o examinasse, mas encaminharam-no logo ao gabinete do comandante do regimento, onde se sentou tranquilamente à espera das boas-novas.
Pigarreando, o tenente-coronel disse:
— A Escola Central de Voo informa que o senhor consegue voar satisfatoriamente.
Bader esperou cortesmente.
— Infelizmente — prosseguiu o comandante — não podemos dá-lo como em condições de voar porque não há nada nas Disposições Reais que se aplique ao seu caso.
Por um instante Bader ficou sentado em silêncio, estupefato, com uma sensação de frio invadindo-o lentamente. Por fim conseguiu falar:
— Mas foi para isso que me mandaram para a Escola Central de Voo. Para ver se eu podia voar. Só a Escola pode resolver a esse respeito. Não basta o que a Escola decidiu?
Embaraçado, o tenente-coronel se desculpou:
— Sinto muito, mas nada podemos fazer.
Bader soube então que, provavelmente, tudo tinha sido decidido antes de ele ir para a escola de voo. Esperavam que fracassasse. Agora estavam atrapalhados; mas a decisão oficial permanecia de pé. Ele estivera na RAF tempo suficiente para saber que recorrer de uma decisão oficial era malhar em ferro frio.
Cheio de decepção e de raiva, Bader foi transferido para uma função em terra: direção do transporte motorizado na base de caças de Duxford. Aferrava-se à esperança de conseguir de alguma maneira voltar a servir no ar. Mas o golpe final veio em abril de 1933 quando chegou uma carta oficial do Ministério da Aeronáutica determinando que a RAF reformasse Bader por incapacidade física.
Condenado à vida civil, Bader arranjou um emprego de escritório na seção de aviação que uma companhia de petróleo acabava de criar, mantendo assim uma ligação tênue com a aviação, uma vez que o seu trabalho tinha relação mais com preços e com a entrega de combustível e óleos de aviação à Austrália.
Casou-se com uma moça que conhecera depois do acidente, uma moça que havia começado a cortejar desde que conseguira andar de muletas, uma moça que ele tinha, afinal, desajeitada, mas triunfantemente, levado a um baile. Thelma foi o único raio de luz nas trevas dos seus anos pós-RAF. Serena, desprendida, sabendo instintivamente lidar com as rebeldias do temperamento dele, ajudou-o a enfrentar com relutante resignação as frustrações de ter voltado para terra. E o encorajava quando ele buscava no golfe, no tênis e no squash os desafios exigidos pela sua vitalidade. Porque, por um esforço quase sobre-humano, ele dominou todos esses esportes e até conseguiu, surpreendentemente, reduzir a nove o seu handicap no golfe.
Mas Bader nunca conseguia evitar uma dolorosa sensação de perda toda vez que pensava na RAF. Quando veio Munique e ele percebeu que ia haver guerra, escreveu ao Ministério da Aeronáutica oferecendo os seus serviços. Escreveu de novo e tornou a escrever, e, afinal, poucas semanas depois de declarada a guerra, foi chamado a comparecer perante a junta de alistamento.
Seguiu-se a rotina familiar de exames médicos e testes de voo. Mas dessa vez as Disposições Reais foram esquecidas e em fins de novembro chegou um envelope do Ministério da Aeronáutica. Ali, em impessoal estilo oficial, vinha a comunicação: ele seria readmitido, como oficial de carreira, no seu antigo posto e com os seus antigos direitos. Sua pensão de reformado já tinha deixado de ser paga, mas continuaria fazendo jus a toda a pensão de invalidez. (Esta foi uma nota engraçada: era considerado ao mesmo tempo 100% capaz e 100% incapaz.) Telefonou para o alfaiate, mandou fazer um uniforme novo e deixou pela última vez a sua escrivaninha, tão feliz como Thelma nunca o vira.

(Imperial War Museum)


Em fevereiro de 1940, Bader apresentou-se em Duxford, onde tinha servido na Força Aérea pela última vez. Geoffrey Stephenson, um dos seus antigos companheiros da RAF, comandava o 19º Esquadrão e, sem se atemorizar com a ideia de ter um piloto sem pernas, pedira Bader para a sua unidade. Mas quase todas as caras ali eram novas; parecia que andavam todos por volta dos 21 anos. E Bader, vivamente consciente de que já estava perto dos 30, sentiu-se compelido a mostrar-se à altura dos jovens pilotos que usavam o uniforme com tão alegre confiança.
Naquele período inicial da guerra o esquadrão passava o tempo quase todo exercitando-se nos três métodos oficialmente aprovados de atacar bombardeiros, e aí Bader logo se viu às turras com a autoridade. No "Ataque nº 1", por exemplo, os aviões de caça seguiam o guia numa linha regular até ao bombardeiro, davam um tiro rápido quando chegava a vez de cada um e afastavam-se graciosamente, oferecendo o ventre da fuselagem ao metralhador do inimigo. Os teóricos do Comando de Caça tinham concluído que os caças eram rápidos demais para a tática de entreveros da Primeira Guerra Mundial. Bader achava isso um absurdo.
— Só há um modo de fazer isso — rosnava para Geoffrey Stephenson. — Esse é formar todo o mundo um bolo. Por que usar oito metralhadoras de uma vez se podemos usar 16 ou 24 de diferentes ângulos?
Stephenson e os outros retrucavam:
— Mas você não sabe, não é verdade? Ninguém sabe.
— Os rapazes da última guerra sabiam — dizia Bader — e a ideia básica é a mesma agora. Nenhum bombardeiro alemão vai voar direitinho e deixar uma fila de sujeitos se alinhar atrás e despejar tiro nele um após outro. Depois, não será um, mas muitos bombardeiros, permanecendo juntos em formação cerrada, para concentrarem o seu fogo.
Provavelmente, depois de uma investida, ou de duas, seria possível separar os bombardeiros uns dos outros, pensava ele, e então haveria combates aéreos por todo o céu.
— Quem vai controlar o combate ainda será quem tiver a altura e o sol a seu favor — dizia ele.
Alguns dos outros pilotos procuravam arreliá-lo fazendo piadas sabre a geração de antes da guerra e sobre passadismo, mas Bader continuava a condenar os ataques oficiais do Comando de Caça em todas as oportunidades.
Certa noite, Tubby Mermagen, outro amigo dos velhos tempos, que estava então comandando o 222° Esquadrão, em Duxford, imprensou-o no refeitório. Algumas das suas tripulações estavam sendo enviadas para outros pontos, disse Mermagen, e ele precisava de um novo comandante de voo.
— Não quero fazer uma ursada com Geoffrey, mas se ele concordar você quer vir?
Exultante, Bader respondeu que iria com todo o prazer.
Depois da sua promoção a capitão, Bader libertou-se da incômoda sensação de rapaz mais velho que volta à escola para fazer exame outra vez. Sempre tivera uma personalidade dominadora, e agora dirigia o seu esquadrão com entusiasmo e capacidade, encantado com a oportunidade de pôr em prática as suas teorias. Por alguns dias guiou os seus pilotos para o ar a fim de efetuarem os ataques do Comando de Caça. Fazia cada piloto subir para servir de alvo, determinando-lhe que observasse cada caça na procissão regulamentar, atirar um por um e escaparem todos na mesma direção, apresentando a barriga do avião para um tiro fatal. Quando pousavam dizia:
— Agora você está vendo o que lhe pode acontecer.
Em seguida ensinou-lhes o seu próprio estilo de combate, levando dois ou três de cada vez, afastando-se do sol, de um lado ou outro do avião destinado a servir de alvo e escapando abruptamente para frente e por debaixo dele. Depois disso vinham horas de práticas de entreveros e acrobacias entremeadas de operações de rotina como patrulha de comboios.

Após oito meses de uma guerra em que não tinham sequer visto um avião alemão, os pilotos de Duxford estavam ficando impacientes. Quando Hitler marchou sobre a França e os Países Baixos, sentiram-se cheios de júbilo. "Agora podemos atacá-los", disseram. Bader não cabia em si de contente.
Nada, porém, parecia acontecer em Duxford. Os jornais e o rádio estavam cheios da confusa batalha da França e os pilotos liam com inveja as notícias dos embates dos Hurricanes com a Luftwaffe. Mas o esquadrão só foi chamado a entrar em ação quando os seus homens, a princípio perplexos com a missão (a grande evacuação ainda era segredo), foram enviados para fazer patrulha sobre Dunquerque.
Mesmo nessa concentrada área de combate, onde massas de tropas e uma incrível flotilha de socorro ofereciam constantes alvos ao ataque aéreo inimigo, a frustração continuou. Outros esquadrões informavam, excitados, que haviam dado com grandes grupos de Messerschmidts e Stukas sobre as praias coalhadas de soldados. Mas embora Bader levantasse voo diariamente, não encontrava aviões alemães. O inimigo parecia vir matar logo que o seu esquadrão voltava para a base.
Então, no sexto dia, avistaram sobre Dunquerque um bando de pontos que cresciam rapidamente, e Bader de repente viu um Messerschmidt 109 enchendo o seu para-brisa. Apertou o gatilho e o 109 flamejou como um maçarico, rodopiou como um bêbedo e depois caiu, deixando para trás uma fita de fumaça negra. A exultação invadiu-o rapidamente, com um brilho de vitória, ao reconquistar assim a vida em combate primitivo. Mas quando rolou na pista, ao aterrar, a alegria desapareceu: dois dos outros não tinham voltado.
Quando Dunquerque acabou, Bader, de súbito exausto, dormiu 24 horas, e ao despertar encontrou toda a Inglaterra num estado de espírito diferente, cheia de resolução. Podia-se ler no rosto dos pilotos o que estavam sentindo: se era luta que os inimigos queriam, iam tê-la. Contra toda a lógica, o país se recusava a reconhecer que estava derrotado. Para Bader, havia também um desafio pessoal, embora nunca se lhe impusesse conscientemente o pensamento de que, agora, ninguém podia pensar nele com piedade. Absorvido pelo voo e pela tática, ele vivia para a luta que se aproximava. Luta tanto da Inglaterra como sua.
Menos de duas semanas depois, Bader foi chamado ao Quartel-General do Grupo 12. Sem preâmbulos, o comandante Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory disse:
— Tenho ouvido referências à sua atuação como comandante. Vou dar-lhe um esquadrão, o 242 de Hurricanes.
Bader arregalou os olhos, depois engoliu em seco e disse:
— Sim, senhor...
O homem atarracado, de rosto quadrado, que estava atrás da mesa, prosseguiu rispidamente:
— O 242 é um esquadrão canadense, o único do Canadá na RAF, e a turma é difícil de manejar. Acabam de voltar da França, onde foram severamente atingidos. Para falar com franqueza, estão saturados e com o moral baixo. Precisam de um pouco de organização adequada e de alguém que saiba falar-lhes com dureza, e acho que o senhor é a pessoa indicada.
O esquadrão estava em Coltishall, disse Leigh-Mallory, e o Major-Aviador Bader devia assumir seu posto imediatamente.
Major-Aviador Bader! Oito semanas antes ele fôra um simples tenente-aviador! Agora tinha alcançado os seus contemporâneos e podia trabalhar com afinco no seu primeiro comando.
— Acho que vou já travar conhecimento com esses camaradas.
Encontrou-os em alerta, num abrigo na extremidade do campo. Abrindo a porta de par em par, entrou caminhando desajeitadamente, sem se fazer anunciar, e pelo seu andar cambaleante viram que se tratava do novo major-aviador. Uma dezena de pares de olhos o examinaram friamente das cadeiras e das camas de ferro onde os pilotos dormiam de noite para o alerta da madrugada. Ninguém se levantou; ninguém se moveu; até as mãos permaneceram nos bolsos; e o local ficou em silêncio.
— Quem é o responsável aqui?
Um jovem corpulento se ergueu devagar de uma cadeira e disse:
— Acho que sou eu.
— Não há um comandante? — Bader perguntou, notando o círculo único em volta da manga que indicava o seu posto de tenente.
— Há um em qualquer parte, mas não está aqui — disse o jovem.
— Como é o seu nome?
— Turner... — e em seguida, após uma pausa nítida: — Sr. Major.
Bader olhou para eles um pouco mais, com a raiva flamejando por dentro. Em seguida, voltou-se bruscamente e saiu. A uns dez metros da porta estava um Hurricane. Na carlinga já havia um paraquedas, capacete e óculos. Bader passou a perna por cima da beirada e se ergueu para dentro. Se pensavam que o novo comandante era um aleijado, havia um meio danado de bom para fazê-los mudar de opinião. Começou a subir e apontou o nariz do Hurricane para o outro lado do campo.
Durante meia hora rodopiou com o Hurricane pelo céu, fundindo uma acrobacia em outra, sem pausas para ganhar altura de novo. Concluiu com uma de suas especialidades, na qual subia num loop, fazia um tonneau rápido no alto, entrando em parafuso, saía deste e completava o loop. Quando pousou na relva e rolou o avião para dentro, todos os pilotos estavam de pé do lado de fora do abrigo, olhando. Desceu sem auxílio, tomou o carro e partiu sem olhar para eles.

Na manhã seguinte chamou todos os pilotos ao seu gabinete. Mirou-os friamente enquanto permaneciam amontoados e movendo-se arrastadamente em frente à sua mesa, notando os uniformes amarrotados, os suéteres de gola alta, o cabelo por cortar e a má aparência geral. Afinal falou: — Olhem aqui... um bom esquadrão tem boa aparência. Quero que este seja um bom esquadrão, mas vocês são um bando de maltrapilhos. De agora em diante não quero ver botas de voo nem suéteres no refeitório. Vocês vão andar de sapatos, camisa e gravata.
Foi um erro.
Turner disse sem emoção:
— Quase todos nós só temos as camisas e gravatas que estamos usando. Perdemos tudo quanto tínhamos na França.
Serenamente, mas com um traço de contida cólera, Turner prosseguiu explicando o caos da luta incessante, como tinham sido, ao que tudo indicava, abandonados pela autoridade, inclusive pelo próprio comandante, como se haviam livrado deles mandando-os de um lugar para outro, sem que fossem recebidos em parte alguma, até que cada homem teve de cuidar de si mesmo, mantendo o seu próprio avião, furtando o seu próprio alimento e dormindo debaixo da asa; depois procurando gasolina suficiente para decolar e lutar, enquanto os obrigavam a recuar de um campo de pouso para outro. Sete já tinham sido mortos e um sofrera desequilíbrio nervoso — cerca de 50% de baixas.
Quando ele concluiu, Bader disse:
— Sinto muito. Peço desculpas pelo que disse.
Em seguida, quando lhe disseram que os seus pedidos de pagamento pela perda dos enxovais não foram atendidos, disse-lhes que mandassem fazer uniformes novos nos alfaiates locais.
— Garanto que serão pagos. Até lá, para esta noite, vejam se alguém pode dar ou emprestar a vocês sapatos e camisas. Disponho de algumas camisas e vocês podem levá-las todas emprestadas. Está bem?
Resolvida essa parte, disse:
— Agora fiquem à vontade. Em que combates vocês já tomaram parte e como se saíram?
A meia hora seguinte transcorreu numa animada discussão sobre os vários aspectos da profissão. De repente os pilotos estavam interessados e com boa vontade e Bader viu que gostava muito deles. Depois do almoço começou a levá-los para o ar em grupos de dois para treinos de formação, e gostou de ver que sabiam manobrar os Hurricanes, embora a formação deles (pelos padrões de Bader) fosse um tanto imperfeita. Naquela noite, no refeitório, estavam todos razoavelmente arrumados, de sapatos, camisas e gravatas, e ele aplicou-lhes o seu irradiante encanto pessoal. Não tardou que se quebrasse o gelo, e os pilotos aglomeraram-se em volta dele rindo e conversando. A vivacidade de Bader logo os empolgou, e perto da hora de se retirarem um deles disse:
— Sabe, Sr. Major? Nós estávamos com medo de que o senhor não passasse de outro irresponsável sem autoridade.
Na segunda manhã já havia um senso de comando no esquadrão. Logo nas primeiras horas o novo comandante começou a aparecer por toda parte, nos alojamentos, no hangar de manutenção, na cabina de rádio, na seção de instrumentos, no parque de armamento. Por volta das dez horas, tornou a levar grupos de Hurricanes para o ar, e dessa vez sua voz explodia, seca, pelo rádio, quando algum avião se atrasava ou saía de Posição. Mais tarde, no alojamento de oficiais, fez-lhes a primeira preleção sobre as ideias de tática de caça que tinha exposto em Duxford. Dentro de poucos dias o esquadrão inteiro estava entrando em posição como um team.
Entrementes, Bader lutava com um novo problema: o oficial mecânico do 242, Bernard West, tinha comunicado que todas as ferramentas e os sobresselentes das equipes de terra se haviam perdido na França. Ele não podia manter em condições de voo os 18 Hurricanes do esquadrão a menos que as suas requisições de novos fornecimentos fossem atendidas. Segundo West, o oficial-almoxarife da base dissera que as requisições tinham de percorrer os canais competentes e estes, achava West, estavam muito entupidos.
As indagações diretas de Bader provocaram resposta idêntica do oficial-almoxarife: ele estava quase esmagado pelo papelório. Coltishall era uma base nova e havia um mundo de coisas a serem adquiridas: cobertores, sabão, botinas.
— Literalmente não tenho funcionários suficientes nem para datilografar os formulários — disse ele.
— Os seus formulários e os seus cobertores e o seu maldito papel sanitário que vão para o inferno — replicou Bader com cólera. — Quero os meus sobresselentes e ferramentas e quero-os logo.
Poucos dias depois, quando nenhum equipamento tinha ainda aparecido, Bader entregou a West um pedaço de papel.
— Talvez você gostasse de mostrar este aviso ao Grupo — disse ele.
West arregalou os olhos ao ler o breve radiograma: "ESQUADRÃO 242 OPERACIONAL TOCANTE PESSOAL, MAS NÃO OPERACIONAL REPITO NÃO OPERACIONAL TOCANTE MATERIAL".
West ponderou discretamente que não sabia se o comandante da base permitiria que se enviasse uma mensagem tão incisiva. Bader disse que o comandante tinha ficado um pouco perturbado, sobretudo quando soube que a mensagem já havia seguido.
West quebrou uns momentos de carregado silêncio:
— Muito bem, Sr. Major, nós ou vamos receber as nossas ferramentas ou outro comandante.
E de fato a reação foi imediata. Naquela noite, um major da seção de material do Quartel-General do Comando de Caça telefonou para observar, com severidade, que havia uma norma própria para obter equipamento novo.
— Observei a norma própria e nada consegui — retrucou Bader.
Mas o indignado oficial do material insistiu em que as coisas tinham de ser feitas pela norma própria, e dois dias depois Bader foi chamado a comparecer perante o próprio Marechal-Chefe-do-Ar, o austero Sir Hugh Dowding. A princípio a entrevista foi difícil, mas o resultado final foi duplo: o indignado oficial do material foi dispensado das suas funções, e na manhã seguinte, antes mesmo de êle ter acabado de esvaziar a mesa para passá-la ao sucessor, os caminhões estavam rodando para o hangar de manutenção do Esquadrão 242.
Com vivo bom humor, West superintendeu a descarga de rodas sobresselentes, velas, anéis de êmbolo e mais umas 400 peças e miudezas. À noite, quando o último caminhão tinha partido, Bader perguntou:
— Isso é bastante, Sr. West ?
— Bastante! — declarou West. — Tenho material aqui para dez esquadrões, Sr. Major. O que me falta agora é espaço para guardá-lo.
Leigh-Mallory tinha acertado ao mandar Bader para o comando do 242. Os canadenses levavam uma vida vigorosa e sem formalidades, respeitando apenas regras em que viam utilidade. Reconheciam em Bader as mesmas qualidades e compreendiam suas contradições quando a sua própria exuberância se chocava com o seu arraigado senso de disciplina. Ele, por seu turno, compreendia e respeitava o desejo deles de saberem exatamente o que tinham de fazer, porque e quando, e a unidade havia finalmente sublimado os últimos vestígios de suas frustrações.
Um esquadrão em guerra é um corpo sensível. Os homens que voam e encontram a glória morrem jovens. As equipes de terra precisam executar sem cessar trabalho meticuloso, e se alguma vez fazem algo mal feito um piloto pode morrer. É preciso haver respeito e confiança recíprocos, e é ao comandante que cabe inspirar esse delicado equilíbrio. Bader vivia para o seu esquadrão e esperava que os seus homens fizessem o mesmo. Sua figura um tanto arrogante, de andar cambaleante, podia aparecer em qualquer lugar a qualquer hora: um chefe de família dominador e absoluto cuidando de manter a casa em ordem.
E quando a Batalha da Inglaterra começou, o Esquadrão 242 estava preparado.

Hurricanes em voo. Monopostos e de um motor, esses caças eram armados com oito metralhadoras nas asas.


Hitler planejava desembarcar 25 divisões na Inglaterra em 21 de setembro de 1940, e Göring, de acordo com o esquema, tinha de inutilizar a RAF em meados daquele mês. Com 4.000 aviões prontos para a luta logo do outro lado do Canal (contra os 500 caças britânicos de primeira linha, e poucas reservas), Göring desfechou o ataque no princípio de agosto. Para experimentar a força da oposição aérea, lançou bombas sobre Dover, Portsmouth e outras cidades litorâneas. Em seguida começou a martelar os campos de aviões de caça do sudeste da Inglaterra, chegando a enviar 600 aviões num único dia. A ação defensiva dos caças britânicos se revelou mais forte do que Göring imaginara, e mais de 200 aparelhos germânicos foram abatidos na primeira semana. Mas Bader e o Esquadrão 242 não participaram dessa batalha. Somente os caças do Grupo 11, estacionado no sul, foram enviados para enfrentar as grandes formações; o Grupo 12 foi deixado para proteger o coração industrial da Inglaterra, no norte de Londres.
Bader ora se enchia de mau humor, ora irrompia pelo refeitório de oficiais de Coltishall, onde ele e os pilotos se sentavam, agitados, aguardando a chamada telefônica das Operações, que não chegava. Em certa ocasião, Thelma procurou atenuar essa sofreguidão ponderando que ainda haveria muitas batalhas e que ele não era imortal.
— Não diga bobagens, querida—replicou ele. — Tenho uma chapa blindada atrás de mim, pernas de lata embaixo e um motor na frente. Como é que poderiam atingir-me?
Foi só a 30 de agosto de 1940 que o Grupo 11 pediu auxílio. Naquela manhã as Operações ordenaram ao Esquadrão 242 que se transferisse para Duxford, ao sul, onde estaria à mão para qualquer eventualidade. No seu conhecido campo de Duxford os homens de Bader esperaram... e esperaram. Almoçavam sanduíches e café junto dos aviões enquanto a Luftwaffe atacava furiosamente o sul da Inglaterra com ondas de aviões, mas mesmo assim nenhum chamado vinha. Bader sentava-se à mesa do telefone no refeitório de oficiais, com o cachimbo apagado apertado entre os dentes, excitadíssimo. A um quarto para as cinco o telefone tocou.
Das Operações veio em tom seco e rápido: "Esquadrão dois-quatro-dois: vamos! Inimigo a cinco mil metros em North Weald".
Enquanto as rodas, ainda girando, se dobravam para dentro das asas, Bader ligou o rádio e ouviu a voz fria e medida do Tenente-Coronel Woodhall, Comandante da Base de Duxford: "Alô, guia vermelho. Vetor um-nove-zero. Mais de 70 inimigos se aproximando de North Weald".
Segurando um mapa sobre a coxa, ele viu que 190 graus iam dar sobre a base de caças de North Weald — mas também dentro do sol. Sabia o que faria se fosse o comandante alemão: entrar primeiro partindo do sol! Do sudeste.
Isso era o diabo. Ele é que queria estar de sol acima. Sem ligar às instruções de Woodhall, desviou-se 30 graus para oeste. Poderia deixar de alcançar o inimigo! Mas sentiu que estava no caminho certo.
Estava a sudoeste de North Weald e ainda ganhando altura quando viu a massa de pontinhos; numerosos demais para serem ingleses. Comprimiu o manete e disse concisamente: "Aviões inimigos ao nível de 10 horas".
Agora os pontos pareciam um enxame de abelhas zumbindo sem parar em direção a North Weald, a 3.600 metros de altura. Os bombardeiros – Dorniers - vinham em linhas regulares, de quatro em quatro e de seis em seis e ele os estava contando: 14 linhas e, acima deles, uns 30 caças. Acima destes outros ainda. Mais de 100 aviões contra os seus nove. Os Hurricanes estavam acima do enxame principal, descendo sobre eles de costas para o sol.
De repente, uma onda de raiva agitou Bader. No impulso do momento, uma força diabólica levou-o a mergulhar bem no meio daquela formação tão certa e desfazê-la. Apontou para baixo o nariz do avião.
Caiu-lhes em cima, e imediatamente as treinadas linhas se desmancharam em guinadas loucas para a esquerda e para a direita, fora do seu caminho. Ele voou para baixo e para cima, virando para a direita. Uma pequena onda estava correndo pelo grande rebanho, e depois este começou a se dividir e a se espalhar.
Três 110 estavam rodando na frente, o último lento demais. Logo atrás, Bader comprimiu o botão com o polegar e quase instantaneamente o fogo brotou na raiz da asa do avião inimigo e ele se precipitou. Abaixo e à direita outro 110 estava rodopiando para sair de uma curva em perda. Bader apontou o nariz para baixo em busca dele e disparou durante três segundos. O 110 se balançou para frente e para trás. Ele disparou de novo e o avião caiu em chamas.
A exultação se arrefeceu quando no espelho acima dos seus olhos um 110 meteu o nariz por cima do leme, inclinando-se para dentro. Ele voltou-se bruscamente o mais que pôde e viu o 110 colado atrás, com brancos raios de balas traçantes saindo-lhe do nariz. Em seguida, o Messerschmidt mergulhou de repente e desapareceu por baixo da asa dele; estava voltando disparado para a sua base.
Bader se surpreendeu ao verificar que tinha baixado para 1.800 metros e estava suando, com a boca seca e respirando fundo. Subiu abruptamente, para voltar à luta, mas a luta havia terminado. O céu estava milagrosamente limpo de aviões e penachos de fumaça se erguiam dos campos.
De novo em Duxford, ébrios de satisfação, os pilotos apuraram o escore: dois para Bader, três para McKnight, um para Turner. Crowley-Milling também tinha abatido um e vários outros haviam igualmente marcado pontos. Doze confirmados e diversos avariados. O resto dos alemães havia fugido de volta. Não havia um único buraco de bala em nenhum dos Hurricanes.
E nem uma só bomba atingira North Weald.

Mais tarde, Bader explicou a Woodhall por que tinha desobedecido às instruções, expondo com vigor os seus pontos de vista. Conseguia falar à vontade com Woodhall, um grisalho e atarracado veterano da Primeira Guerra Mundial.
—Temos de pegar os alemães antes que cheguem aos seus alvos — disse Bader. — Não depois, quando eles já os alcançaram e estão deixando cair as suas bombas. Se o senhor não disser em tempo onde estão — direção e altura — decidiremos no ar sobre a nossa tática, nos colocaremos acima do sol e os mandaremos para o inferno.
— Estou com o senhor — disse Woodhall. — Hoje sem dúvida deu certo. Mas pode ser que estejamos avançando o sinal um pouco — acrescentou com severidade.
O Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory chegou de avião naquela noite trazendo muitas congratulações e Bader aproveitou a oportunidade para ventilar uma ideia nova:
— Na realidade, senhor, se tivéssemos mais aviões poderíamos ter derrubado muitos mais. E óbvio que o objetivo do voo em formação consiste apenas em trazer para a luta ao mesmo tempo o maior número possível de aviões. Uma vez iniciado o combate, não há mais nada que o comandante possa fazer. Se eu tivesse tido três esquadrões esta tarde, teríamos sido três vezes mais poderosos. E acho que o número de vítimas também seria menor.
Leigh-Mallory disse que iria pensar no assunto. E na manhã seguinte telefonou para dizer:
— Amanhã quero que o senhor experimente esse plano da grande formação. Temos os Esquadrões 19 e 310 em Duxford. Veja como se sai liderando todos os três esquadrões.
Com muito entusiasmo pelo jeito decidido de Leigh-Mallory, Bader passou três dias praticando decolagens com os três esquadrões e guiando-os no ar. A 5 de setembro tinha reduzido o tempo entre o alerta e a decolagem para pouco mais de três minutos.
A 7 de setembro Göring atacou Londres com a Luftwaffe. Começando de madrugada, vieram ondas de bombardeiros o dia inteiro, mas foi só no fim da tarde que os três esquadrões de Bader entraram em ação. Tinham eles atingido a uma altura de 4.500 metros quando Bader divisou o inimigo, uns bons 1.500 metros acima deles. Pelo menos 70 Dorniers e 110 misturados, e uns pontos mais acima — Messerschmidts 109. Não havia tempo para tática. Não havia nada a fazer senão espalhá-los atacando-os de baixo para cima.
Na confusa batalha que se seguiu, uma batalha a alta velocidade, o próprio Bader derrubou dois 110 e levou uns tiros de canhão na asa esquerda, mas conseguiu levar o seu Hurricane até ao campo. O jovem Crowley-Milling foi atingido e cortou o rosto numa aterragem forçada; quatro outros Hurricanes foram danificados e um dos pilotos foi morto. Ao todo, o Esquadrão 242 abateu comprovadamente 11 aparelhos inimigos. Mas os outros dois esquadrões, com Spitfires lentos na ascensão, tinham ficado tanto para trás que a bem dizer não tomaram parte na luta.
No dia seguinte, quando Leigh-Mallory apareceu, Bader disse: — Ontem não deu certo, Sr. Vice Marechal. Estávamos baixo demais Se ao menos tivéssemos podido decolar antes poderíamos estar por cima e prontos para atacá-los. Temos meios de localizar a reunião desses bombardeiros sobre a França. Por que não levantamos voo antes?
Essa estratégia podia permitir os alemães atraírem os caças para o ar e aguardarem até que o seu combustível se esgotasse para então enviarem os bombardeiros, mas Leigh-Mallory concordou em que valia a pena fazer uma tentativa.
— Vamos experimentar fazer vocês levantarem voo com maior antecedência para poderem ganhar a altura de que precisam — disse ele. — Veremos o que acontece.
No dia seguinte, Bader já tinha feito os esquadrões se elevarem a 6.600 metros quando localizaram dois grandes enxames de pontos dirigindo-se para Londres mais ou menos à mesma altura. As cifras foram boas naquele dia: 20 aparelhos inimigos destruídos contra a perda de quatro Hurricanes e dois pilotos. Em setembro de 1940 só as cifras tinham valor.
Mas Bader ainda não estava satisfeito. Ele voou para o quartel-general do Grupo 12 e disse a Leigh-Mallory:
— Senhor, se ao menos tivéssemos mais caças, poderíamos ter derrubado alemães às dezenas.
 — Eu ia falar com você a esse respeito disse Leigh-Mallory. — Se eu lhe der mais dois esquadrões você pode manobrá-los?
Cinco esquadrões. Mais de 60 caças! Até Bader se sobressaltou. Mas entusiasmou-se.
Conversaram então durante mais de uma hora, e Leigh-Mallory disse que estava espalhando o evangelho de Bader de desfazer formações inimigas mergulhando no meio delas. Bader tinha feito isso a primeira vez por raiva — mas naquele momento nasceu um novo processo tático. O Vice-Marechal-do-Ar (Leigh-Mallory) chamava o 242 de "esquadrão de desintegração".
Mas o combate incessante representava um esforço terrível para os pilotos. A vida destes era um contraste brutal. Nas horas de folga podiam contar anedotas num bar e dormir entre lençóis; de manhã despertavam para um mundo novo de caçadores e caçados. Sob essa constante tensão, só Bader parecia insensível ao medo. Nunca teve, como os outros, o que era conhecido como "o tique". Exteriormente deixava transparecer uma confiança tão grande que chegava a ser contagiosa. Até para Thelma não parecia real que êle pudesse ser morto. Um chefe assim é preciso porque os pilotos são jovens e humanos e muitas vezes estão aterrorizados a despeito da aparência despreocupada.
Cada vez que os esquadrões de Bader decolavam, a voz dominadora começava a disparar comandos pelo rádio, os quais, intencional ou acidentalmente, faziam com que a missão que tinham pela frente deixasse de ser encarada com nervosismo. Houve, por exemplo, o caso de Cocky Dundas, de 19 anos de idade, que teve o seu avião seriamente atingido logo no primeiro combate. Um mês depois, ainda conturbado, estava ele voando com Bader na sua primeira missão. Aprestaram-se a toda pressa e êle estava com "o tique", a boca seca, tremores no estômago e marteladas no coração. Então lhe chegou aos ouvidos, enquanto subiam, a voz daquele estranho chefe sem pernas:
— Olá, Woodhall, tenho um jogo de squash com Peters marcado para daqui a uma hora. Quer fazer o favor de telefonar para ele e dizer que vou demorar um pouco?
(Meu Deus. Sem pernas! Jogando squash)
Voz de Woodhall:
— Esqueça isso agora, Douglas. Vetor um-nove-zero. Sete mil metros.
— Vamos, Woodhall, telefone para ele agora.
— Não tenho tempo, Douglas. Há uma coisa no quadro avançando para a costa.
— Ora, que diabo! Arranje tempo. Você está sentado em frente a uma fila de telefones. Apanhe um e telefone para o rapaz.
— Está bem, está bem — respondeu o filosófico Woodhall. — Em nome da paz e do sossego vou telefonar. Agora, que tal você continuar a guerra?
Dundas prosseguiu com o coração mais leve, como todos os outros.
A 15 de Setembro de 1940, o maior dia da Batalha da Inglaterra, o bando de 60 caças de Bader, conhecido oficialmente como Regimento do Grupo 12, entrou em ação como unidade pela segunda vez. De madrugada, ondas de aviões alemães começaram a transpor o Canal, e esquadrões da RAF, um após outro, fizeram-se ao ar para recebê-los. A formação de Bader foi chamada duas vezes, e à noite, quando fizeram o levantamento da batalha do dia, verificaram que o Regimento do Grupo tinha justificado plenamente a sua existência. Nas duas grandes batalhas daquele dia os pilotos dos cinco esquadrões do Regimento tiveram a seu crédito 52 aviões inimigos destruídos e mais oito prováveis.
Leigh-Mallory telefonou naquela noite:
— Douglas, que espetáculo maravilhoso hoje! Está absolutamente claro que as suas grandes formações estão compensando.
Bader respondeu:
— Muito obrigado, Sr. Vice Marechal, mas passamos um aperto na segunda viagem. Tornaram a chamar-nos muito tarde e os alemães estavam muito acima quando os avistamos. O que eu realmente gostaria de fazer, Sr. Vice Marechal, era abater um reide completo de modo que não regressasse um único alemão.
Leigh-Mallory riu.
— Sedento de sangue, hein? Se você continuar assim acaba tendo a oportunidade que deseja.
A oportunidade veio no dia 18.
Por volta de quatro e meia da tarde, os cinco esquadrões foram chamados. Estavam voando logo abaixo de uma fina camada de nuvens a uns 6.300 metros de altura, sentindo-se confortavelmente seguros — ninguém poderia atacá-los de surpresa através daquela cortina — quando Bader divisou dois pequenos enxames de aviões voando a 4.800 metros: uns 40 ao todo. Mais aviões ingleses que inimigos! Era inacreditável! Enquanto os caças circulavam para se reunirem atrás, ele viu com feroz alegria que os inimigos eram todos bombardeiros: JU 88 e Dorniers. Nenhum sinal de 109. Os bombardeiros estavam abaixo, bem onde ele queria que estivessem. Mergulhou, visando a fila da frente, e o ávido bando se precipitou atrás dele.
A ação que se seguiu "foi um tanto perigosa do ponto de vista de colisão", disse Bader posteriormente, "mas foi um estado de coisas plenamente satisfatório".
No alojamento de oficiais, uma multidão de joviais pilotos se amontoou em roda do oficial de informações, quase todos declarando que tinham feito vítimas. Nunca nenhum deles tinha visto tantos paraquedas. Bader laconicamente escreveu em seu diário: "O Regimento destruiu 30 aviões, mais seis prováveis, mais dois danificados. Meu escore: um JU 88, um Do 17. Não houve vitimas no esquadrão, nem no Regimento".
Desse dia em diante a batalha começou a perder intensidade. Pelo fim de setembro os bombardeiros só apareciam raramente; em seu lugar vinham bandos de 109, insinuando-se pelos colchoes de nuvens com pequenas bombas brancas pendentes de porta-bombas improvisados. Depois, até esses assaltantes sorrateiros começaram a escassear. Por fim, a nação pode rejubilar-se, compreendendo que aquela altura nem mesmo um louco iria invadi-la.
Bader foi talvez o único a ficar um pouco triste com o fim do barulho. O seu Regimento derrubou 152 aviões inimigos, contra a perda de 30 pilotos e um número um tanto major de aviões. Mas então o encontro deles de madrugada foi ficando raro e os dias se tornaram menos imprevisíveis: voltavam a prontidão normal de Coltishall.
Bader recebeu duas condecorações: a Ordem de Serviços Relevantes e a Cruz da Aviação. Suas teorias sobre tática de caça estavam merecendo respeitosa consideração por parte do Ministério da Aeronáutica; numa conferência ali verificou que era o único oficial de posto inferior a vice-marechal-do-ar. Além do mais, estava-se tornando famoso, apesar da orientação da RAF no sentido de dar relevo ao espirito de equipe, de não mencionar o nome dos ases nos seus comunicados à imprensa. Cada vez que ocorria uma nova façanha de um piloto de caça sem pernas, a imprensa e o rádio sabiam muito bem de quem se tratava. Mas o próprio Bader estava ocupado demais para tomar conhecimento da publicidade: continuava a viver no pequeno mundo do esquadrão, do combate e da tática.

Uma esquadrilha de Hurricanes em formação em grupos, voando acima de um mar de nuvens.


No começo de março de 1941, Leigh-Mallory mandou chamá-lo:
— Estamos elaborando umas ideias para realizar o ataque através da França no verão — disse ele. — Vagas de caças, mas coisa maior do que tudo quanto já experimentamos. Para isso estamos organizando o nosso sistema de "regimento" e você deverá ser um dos comandantes. Você provavelmente ira para Tangmere.
Há ocasiões em que as palavras soam como música. Em termos militares, isso significava uma promoção a tenente-coronel. Mas, após expressar seus agradecimentos, Bader perguntou:
— Poderei levar comigo o Esquadrão 242, Sr. Vice Marechal?
— Receio que não — respondeu Leigh-Mallory. — Você já tem lá três esquadrões. Tudo Spitfire.
Bader fez sentir, sem jeito, que nesse caso não estava muito certo se queria ser comandante do regimento de aviação.
Leigh-Mallory disse com firmeza:
— Você fara o que lhe for ordenado.
Em seguida, pois conhecia bem aquele homem, acrescentou:
— Se o senhor levar o 242, não poderá deixar de favorecê-los um pouco. Eu o conheço e sei como os considera.
Bader se apresentou em Tangmere em meados de março, e imediatamente começou a treinar com afinco os seus três esquadrões de Spitfires. Ao contrario do que ocorrera nos seus primeiros dias no 242, não foi preciso conquistar a confiança do pessoal. Era o primeiro comandante de regimento da RAF e os soldados e oficiais atendiam imediatamente os seus brados ríspidos. Woodhall, recentemente promovido a coronel-aviador, também chegou a Tangmere mais ou menos aquela época, para comandar a base. Leigh-Mallory queria reunir o seu team antigo.
Bader verificou que quase todos os pilotos tinham participado sem interrupção da Batalha da Inglaterra e vários deles, sobretudo os comandantes, apresentavam evidentes sinais de esgotamento. Pediu que Stan Turner fosse transferido para o comando de um dos esquadrões e também trouxe Crowley-Milling do 242 como comandante de voo. Bader se encarregou pessoalmente do esquadrão que tinha menos experiência de combate.
Como seu substituto, muitas vezes escolhia o desengonçado Cocky Dundas, que sua voz tanto animara durante a Batalha da Inglaterra. (A opinião e os ensinamentos de Bader pareciam ter sido bons. Poucos anos depois Crowley-Milling e Dundas eram tenentes-coronéis, condecorados com a Ordem de Serviços Relevantes e a Cruz da Aviação. Aos 25 anos Dundas se tornou um dos mais jovens coronéis da RAF).
Não tardou que Leigh-Mallory começasse a enviar uns poucos bombardeiros para além do Canal, rodeados de hordas de caças, porque a sua ideia era forçar os alemães a levantarem voo e lutarem. Durante algumas semanas essa estratégia não deu resultado. O regimento de Tangmere raramente via mais de três ou quatro Messerschmidts de uma vez, em geral bem fora da rota, a espera de algum aparelho extraviado.
Finalmente Leigh-Mallory concluiu que os Blenheims com uma tonelada de bombas eram leves demais para a provocação planejada, e então conseguiu, à força de persuasão, alguns quadrimotores Stirlings, que podiam transportar quase seis toneladas de bombas cada um. Amontoando uns 200 Spitfires em volta deles, começou a mandá-los para além da costa, contra alvos interiores: entroncamentos ferroviários e fabricas de aviões. Essa tática começou a dar resultados. Os caças germânicos puseram-se a levantar voo em grupos de 30 e 40. E a RAF os derrubava à razão de três aparelhos alemães para cada dos Spitfires perdidos. Raramente era abatido um bombardeiro, e assim mesmo sempre pela artilharia antiaérea.
Salvo quando o tempo estava ruim, Bader levava quase diariamente o seu regimento para uma batida, atraindo o inimigo para o combate. Todo o mundo sentia que ele era invencível e que essa força escudava aqueles que voavam com ele. Era parte do seu reconhecido gênio para o comando de caças. Thelma sabia que o inimigo nunca o derrotaria.
Mas perto do fim de julho os seus superiores começaram a preocupar-se com ele. Em sete dias realizou dez sortidas — o bastante para derrubar o homem mais forte, quanto mais um com pernas artificiais. Agora já fizera mais sortidas que qualquer outro no Comando de Caças, e era o último dos primitivos comandantes de regimento ainda em ação: o resto morrera ou fora mandado repousar. Um jornal londrino escreveu que Bader já fizera bastante, que era valioso demais para perdê-lo e que devia ser afastado das operações. Ele leu isso com indignação. Woodhall começou a dizer-lhe que ele devia tirar uma folga, mas Bader se recusava terminantemente.
Por fim, o Vice-Marechal-do-Ar Leigh-Mallory disse:
— É melhor você deixar de participar das operações por algum tempo, Douglas. Você não pode continuar assim indefinidamente.
— Ainda não, Sr. Vice Marechal — respondeu Bader. — Estou em plena forma e prefiro continuar.
Mostrou-se tão obstinado que Leigh-Mallory transigiu com relutância:
— Muito bem, vou deixá-lo ficar ate o fim de agosto. Depois terá de sair.
Não continuava lutando para aumentar o seu número de aviões inimigos abatidos, embora, com 20 1/2 comprovadamente destruídos, fosse o quinto na lista dos pilotos da RAF com escores mais altos. O regimento era tudo para ele e o combate um tóxico que respondia ao seu anseio de uma finalidade e de realização.

No dia 9 de agosto de 1941 saiu tudo errado desde o começo.
Primeiro, foi uma confusão na decolagem e o esquadrão de cobertura alta perdeu o rumo. Transpondo o Canal, os outros não conseguiram distinguir o menor sinal dele, e Bader não queria violar o silencio do radio para chamá-los. Depois, no meio da travessia, seu indicador de velocidade do ar enguiçou, o que iria perturbar os cálculos para chegar sobre Lille à hora marcada.
Exatamente quando cruzavam o litoral da França, viram uns 12 Messerschmidts bem na frente, a uns 600 metros abaixo, subindo na mesma direção. Nenhum deles parecia estar olhando para trás. Eram presas fácil.
Bader disse incisivamente: "Dá bem para todos. Derrubem-nos à proporção que forem chegando", e escolheu para ele um dos guias. Aproximando-se com demasiada velocidade, calculou muito mal e, para evitar uma colisão, teve de inclinar o Spitfire e jogá-lo bem para baixo.
Furioso, nivelou novamente a uns 7.200 metros de altura, observando com toda atenção a retaguarda e verificando que estava só. Então viu de súbito mais seis Messerschmidts na frente, espalhados em três pares paralelos, com os narizes apontando para a direção oposta. Nova presa fácil! Sabia que devia subir e deixá-los; estava cansado de repetir aos seus pilotos que nunca se aventurassem sozinhos. Mas a tentação foi irresistível. Olhou de novo para trás. Tudo limpo. A avidez afastou a prudência e ele foi sub-repticiamente colocar-se atrás do par do meio. Nenhum dos pilotos percebeu. De 100 metros ele abriu fogo contra o de trás. O avião inclinou-se abruptamente sobre uma asa e se abateu todo em chamas. Os alemães continuaram cegamente para diante.
Apontou para o guia, a uns 150 metros na frente, e deu-lhe uma rajada de três segundos. Voaram estilhaços e rolos de fumaça branca jorraram do avião. Os caças da esquerda estavam-se voltando para Bader e ele virou violentamente para a direita a fim de escapar. Os dois aviões da direita continuavam voando para frente e, por pura bravata, ele manteve seu rumo para passar entre eles.
Algo o atingiu. Sentiu o impacto, mas a sua mente estava curiosamente entorpecida. Alguma coisa segurava o seu aparelho pela cauda, fazendo-o girar e obrigando-o a dar um brusco mergulho em espiral. Olhou confusamente para trás para ver se alguma coisa o estava seguindo e teve um choque ao verificar que estava faltando ao Spitfire tudo quanto ficava para trás da carlinga: fuselagem, cauda, quilha—tudo tinha desaparecido. Com certeza, o segundo 109 se havia precipitado sobre ele cortando-lhe aquela parte com a hélice.
Arrancou o capacete e a máscara e deu um forte arranco na bolinha de borracha sobre a sua cabeça. A tampa se rasgou toda e um ruído penetrante lhe feriu os ouvidos. Agarrando a borda da carlinga para erguer-se, pensou que talvez não o conseguisse sem o impulso das pernas que em nada podiam ajudar. Lutou desesperadamente para levantar a cabeça acima do para-brisa e de repente, quando o vento dilacerante o alcançou, sentiu que estava sendo sugado para fora.
Estava fora! Não, algo o prendia. O rígido pé da perna direita tinha-se agarrado firmemente em alguma saliência da carlinga. O vento lhe açoitava o corpo exposto e lhe gritava nos ouvidos enquanto o caça quebrado, arrastando-o pela perna, mergulhava. Então, de repente, o aço e o couro rebentaram com um estalo.
O ruído e as pancadas cessaram. Num lampejo, seu cérebro se aclarou e ele puxou o anel do paraquedas, ouvindo o barulho que este fez ao abrir-se. Depois começou a flutuar, muito acima da terra verde e salpicada de manchas doutras cores. Algo lhe bateu no rosto e ele viu que era a perna direita da calça, aberta na costura. A perna havia desaparecido.
Que sorte, pensou, ter pernas que podiam soltar-se. Se não fosse isso, teria morrido segundos antes.
Era uma sorte, também, não ir aterrar sabre a rígida perna de metal. Descer de paraquedas equivale a saltar de um muro de quatro metros de altura, e cair ao solo sobre a sua perna direita artificial presa ao coto sem joelho teria sido como aterrar sabre um rígido poste de aço. Isso lhe abriria a bacia de maneira horrível.
A terra, que estava tão distante, de súbito se ergueu ferozmente. Então sentiu algumas costelas se partirem quando um joelho lhe bateu no peito, e a consciência lhe fugia.

Durante os seus três anos e meio como prisioneiro de guerra, Bader foi um constante problema para os alemães. No hospital da Franca para onde primeiro foi levado persuadiu seus captores a pedirem a RAF outra perna para ele, a qual posteriormente foi lançada de paraquedas. Em seguida, recompensou-os fugindo através de uma janela do terceiro andar, descendo 12 metros ate ao solo, por uma corda feita de lençóis, com nós. Recapturado um dia depois, foi embarcado para a Alemanha.
Ainda firmemente disposto a escapar, Bader experimentou um plano após outro, e os alemães, esforçando-se por enfrentar e dominar esse impossível prisioneiro, que deveria estar numa cadeira de rodas, iam-no transferindo de um campo para outro. Por fim, mandaram-no para Colditz, um sombrio castelo medieval, considerado a prova de fuga e reservado para prisioneiros incorrigíveis. Ali foi libertado em abril de 1945 pelo Primeiro Exercito Norte-Americano, em seu avanço.
Quando voltou para a Inglaterra, Bader verificou que era uma lenda viva, com gente em toda parte bradando que queria vê-lo. Durante algum tempo refugiou-se com Thelma num discreto hotel do interior. Em seguida, ansioso de novo por obrigações, subiu um dia num Spitfire e rodopiou com ele pelo céu. No primeiro minuto viu, com júbilo, que nada perdera de sua perícia. Dali a dois dias, para consternação de Thelma, estava fazendo planos para uma missão no Extremo Oriente contra os japoneses. Mas o pessoal do Ministério da Aeronáutica, embora atencioso, não mostrou boa vontade. Ele já tinha feito mais do que o suficiente, disseram. Continuava fazendo planos quando a bomba atômica foi atirada e a luta cessou.

Douglas Bader é considerado o melhor comandante e tático de caça da Segunda Guerra Mundial, e um dos melhores pilotos. Mas o seu maior triunfo não são os seus combates aéreos; estes foram apenas um episódio da vitória mais importante que ele conquistou na sua própria guerra pessoal, que prossegue sem cessar, para ser vencida de novo todo dia. Ele se vem dedicando cada vez mais a encorajar outras pessoas que tiveram membros amputados, e elas acham que a sua simples existência, sua resistência e o seu exemplo são um tônico. Ele as inspira de um modo que médico algum pode igualar.
Em princípio de 1946 aceitou um emprego na Shell Petroleum Co. Ltd., pilotando o seu próprio avião por uma grande parte do mundo, a serviço. Em todos os lugares onde esteve — Europa, África, Oriente Médio e Extremo Oriente — sempre achou tempo para visitar hospitais, conversar com as pessoas que haviam perdido membros e ajudá-las a aprender a andar outra vez.
Num hospital dos Estados Unidos, que visitou em 1947, encontrou um veterano sem pernas esforçando-se por andar com o auxílio de barras paralelas baixas. Bader caminhou para ele com seu andar desajeitado e perguntou-lhe:
— Por que o senhor não sai dessas barras e experimenta andar sem elas?
— Quem é o senhor? — rosnou o homem.
— Apenas um inglês de passagem por aqui, mas também perdi ambas as pernas e só tenho um joelho, não dois como o senhor.
O homem deu um arranco para fora e Bader ficou ao lado dele, ajudando-o a andar cambaleando para um lado e para outro pela sala. Passado algum tempo, o paciente conseguiu dar os seus dois primeiros passos sem auxílio, e a sua atitude mudou completamente.
— Diabo — disse ele. — Quase meti uma bala na cabeça quando acordei hoje de manhã, mas agora acho que está tudo bem outra vez.
Em Chicago, Bader leu uma notícia sobre um menino de dez anos que teve ambas as pernas amputadas abaixo do joelho. Douglas passou uma hora e meia à beira do leito dele, mostrando-lhe que as pernas não têm tanta importância assim. Depois o pai do menino disse, preocupado:
— Ele ainda não avalia a gravidade da situação.  
— E é uma coisa que ele nunca deve avaliar — replicou Bader com exaltação. - O senhor tem de fazer com que ele sinta que isto é outro jogo que ele precisa aprender, e não algo que o deixará aleijado. Se o amedrontar, ele estará desde logo derrotado.

Em resumo, é essa a filosofia de Douglas Bader. Ela diz respeito não apenas a pernas, mas também à própria vida.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

CHARLIE CHAPLIN

"Chaplin transformou a comédia-pastelão em veemente crítica social, sem perder sua incrível habilidade para fazer rir". ( J.B. Priestlev )

Um pôster francês de Charlie Chaplin (o Carlitos, como também era conhecido no Brasil) como o Vagabundo (Tramp). Pessoas de todos os lugares reconheciam-no como o Vagabundo e sua popularidade era — e ainda é — internacional. Aqui, o Vagabundo está com um olhar triste e desamparado: um perdido no mundo. Mas, apesar das dificuldades da vida, ele sempre venceu no final, tornando-se um símbolo para os pobres, os desafortunados e os perdedores.


Chaplin nasceu no teatro

Charles Spencer Chaplin — este o nome completo de Charlie Chaplin — nasceu em Londres, no dia 16 de abril de 1889. Era o segundo filho de Hannah, que, ao se casar com Charles, o pai dele, já tinha Sydney.
O pai de Chaplin era um bom ator de musicais, apesar de não ser um grande nome. Hannah também era atriz de teatro de variedades. Excelente mímica, era dona de uma voz doce e charmosa, mas sem grande alcance. Tinha pavor de vaias e gozações, que já haviam acabado com os espetáculos e até com a carreira de muitos atores. Embora não fossem propriamente ricos, o music hall proporcionava aos Chaplin uma vida confortável.
Os musicais começaram nos bares dos becos, onde artistas amadores representavam cenas que divertiam e deliciavam o público. Os atores vinham dos mesmos becos onde viviam seus espectadores. A vida desses atores era difícil, mas fazia vislumbrar uma chance de fama e fortuna para jovens ambiciosos como Hannah e Charles Chaplin; muito melhor isso do que serem empregados domésticos ou trabalhadores das terríveis fábricas da época.
No final do século 19, o teatro de variedades atingiu o auge na Inglaterra: havia mais de duzentas peças em cartaz, das quais 36 eram encenadas em Londres. Numa época em que não havia rádio nem televisão, era natural que as pessoas afluíssem ao teatro. Não havia lugar melhor para esquecer as adversidades da vida daquela Inglaterra vitoriana.
Os espectadores podiam apreciar engolidores de fogo, bailarinas, amestradores de leões, trapezistas, atores e mágicos e se unir ao coro das músicas.

Um país dividido

A rainha Vitória era rica e poderosa e seu império estendia-se mundo afora. Mas, assim como havia uma imensa riqueza, havia também uma pobreza extrema no país. Lentamente, a situação foi melhorando — os ricos não estavam mais apavorados com a perspectiva de que as "classes baixas" mergulhassem a Inglaterra na revolução, como havia acontecido em outros países da Europa —, mas para milhares de pessoas ainda era extremamente difícil ganhar o próprio pão e garantir a sobrevivência.

A London Bridge (Ponte de Londres) em 1892; a capital fervilhava. Londres era uma cidade industrial e de negócios, onde ricos e pobres conviviam. As estreitas ruas pavimentadas ganhavam vida com o cheiro das comidas dos mercados, os gritos dos cocheiros e as carruagens puxadas a cavalo. 

Londres, na época, vivia sob o estrépito dos cascos de cavalos. Eram fiacres, carroças de cerveja, vagões de carvão, carrinhos de leiteiros e ocasionalmente a pompa soturna de um rico funeral, que cortavam a cidade, todos eles agitando plumas e flores. As ruas estavam cheias de vida. Moças vendiam flores, enquanto homens tocavam o realejo com macaquinhos montados em cima do aparelho. Crianças pulavam corda, brincavam de pula-sela, jogavam bolinha de gude ou subiam nos postes.
Como Charlie andava pelas ruas com a mãe, convivia com a mais extrema pobreza — crianças descalças, mendigos cegos, pessoas acotoveladas nas portas —, mas, ainda assim, isso significava pouco para ele. Sua família estava, até então, sã e salva.

Tempos difíceis

Entre uma apresentação e outra, os atores dos musicais eram estimulados a beber com o público para o bar fazer movimento. Com isso o pai de Charlie, como muitos outros atores, passou da alegre camaradagem para o alcoolismo.

 Charles Chaplin, o pai de Charlie, era bem conhecido nos music halls com músicas como Oui! Tray Bong!, mas a bebida destruiu sua carreira. 

Lenta, mas firmemente, a bebida foi destruindo o seu casamento. O medo e a angústia crescentes germinavam em Hannah.
Quando o casal viajou aos Estados Unidos para apresentações da companhia, Hannah fez novos amigos. Entre eles estava um cantor muito elegante e famoso: Leo Dryden. Ela sucumbiu aos seus galanteios e se apaixonou. O bom senso voou pela janela. Em agosto de 1892, Hannah deu à luz a um filho de Leo, George Dryden Wheeler. Até então, Leo Dryden havia lhe dado alguma ajuda financeira, mas, assim que o filho nasceu, desapareceu de sua vida.
O casamento de Hannah com Charles havia terminado, e ela estava agora com três filhos para criar. Charlie tinha três anos e meio e Sydney quase oito. Hannah sempre foi muito carinhosa e cheia de cuidados com as crianças, dispensando o mesmo amor ao bebê e aos meninos mais velhos. Eram pobres, mas tinham um ao outro.
Certo dia, sem qualquer aviso, Dryden apareceu em sua casa, pegou George, então um bebê de 6 meses, e foi embora. Hannah não pôde fazer nada.
Sem o bebê, sua vida se arruinara. Não possuía recursos nem alguém a quem recorrer. As antigas esperanças haviam desaparecido, mas Hannah era indomável. Sem ela, Charlie Chaplin teria se tornado mais uma criança perdida na Londres vitoriana.

 Hannah Chaplin, mãe de Charlie, usava o nome de Lily como cantora e bailarina. No final de sua carreira, o palco foi um lugar cruel e desmoralizante para ela; a platéia queria uma voz grossa e áspera, não sua voz doce e suave. O público atirou-lhe frutas para mostrar sua desaprovação, afastando Hannah do palco para sempre. 

Pobre e só, Hannah voltou-se para a religião em busca de consolo. Ganhava um pouco trabalhando como enfermeira em residências e costurando para senhoras da igreja. Como todos aqueles que enfrentavam dificuldades na época, seu maior temor era ser obrigada a viver num asilo de pobres.

A primeira apresentação de Carlitos

Mas o dinheiro simplesmente havia terminado e Hannah tinha de fazer alguma coisa. Estava temerosa de enfrentar o implacável público dos musicais, mas seu talento era a única coisa que tinha a oferecer. Em desespero, decidiu voltar ao palco. O seu temor, porém, se confirmaria: sua voz falhou completamente.
A pobre Hannah lutou para continuar cantando sob os assovios e as vaias. Mas logo deixou o palco. O diretor estava desesperado com o tumulto. Viu o pequeno Charlie nos bastidores: era o que tinha de melhor à mão. Pegou Charlie e conduziu-o ao palco.
Carlitos tinha, então, 5 anos de idade.

"Eu me lembro das ruas do bairro de Lambeth, a New Cut e a Lambeth Walk, e da Vauxhall Road. Eram ruas desagradáveis, e não se poderia dizer que fossem pavimentadas com ouro. Contudo, as pessoas que ali moravam eram feitas do melhor metal". Charlie Chaplin, a respeito de Londres, em 1943

A visão daquela pequena criança iluminada pela luz dos refletores acima da plateia fez os espectadores caírem na gargalhada. Como Charlie crescera entre atores e profissionais do teatro, firmou-se no palco e começou a cantar.
O tumulto na plateia se dissipou e moedas foram sendo atiradas ao palco, com pedidos de bis. Quando Charlie disse calmamente que só continuaria depois de recolher todas as moedas, provocou outra gargalhada estrondosa no público.
Todo sorrisos, o diretor assegurou-lhe que todas as moedas seriam recolhidas; Charlie, então, prosseguiu. Ele estava se divertindo muito e, assim, dançou, cantou e representou, até Hannah tirá-lo do palco.
Depois daquela noite, ela faria apenas mais uma apresentação, mas para Charlie seria o início de uma carreira brilhante, que o fez famoso em todo o mundo.

Pobreza

Pouco a pouco, Hannah foi forçada a vender todos os seus pequenos tesouros — e até as peças e os objetos mais necessários. A vida teria se tornado miserável se Hannah não tivesse introduzido um pouco de magia nela. O pobre quarto da família parecia ter se transformado em um reluzente palco. Ela cantava e dançava para sua plateia de duas crianças, além de representar peças de teatro para elas. Contava-lhes histórias da Bíblia que as levavam às lágrimas.
Hannah não só mantinha Charlie e Sydney limpos, alimentados, vestidos e aquecidos no inverno como também lhes proporcionava pequenos deleites, como uma revista de histórias em quadrinhos ou um arenque no café da manhã.
Sua preocupação em manter os filhos decentemente vestidos não era bem-sucedida. Ela fazia roupas para os meninos com os tecidos de seus vestidos de teatro, e eles eram alvo de caçoadas nas ruas por onde passavam com aqueles terninhos excêntricos.

Famosa pintura sobre a pobreza da era vitoriana, de Luke Fildes, chamada Sem Lar e com Fome. Foram as lembranças da miséria de sua família que Chaplin carregou para tantos de seus filmes. A pobreza deu a ele o desejo apaixonado de ver os miseráveis saírem da indigência e a força para lutar contra as injustiças sociais. Isso está caracterizado em seu personagem Vagabundo, cuja coragem levou esperança e humor a muita gente para rir dos próprios problemas.

Sydney tentava ganhar algum dinheiro vendendo jornais nos bondes puxados a cavalo: saltava os degraus do veículo em movimento para oferecer o seu produto. Um dia encontrou uma carteira, ao descer correndo pelo estribo do bonde. Não havia nome nem endereço anotados, e parecia estar cheia de trocados. Foi só quando chegou em casa que Hannah descobriu um compartimento interno que continha 7 soberanos de ouro.
Então ela decidiu que teriam seu dia de glória.
Correu com os meninos para a rua e tomaram um barco — foi um dia de mariscos, balas de hortelã, pães doces, limonada e muita diversão... com os garotos usando roupa nova de qualidade, de forma a não sofrerem gozações pelos trajes feitos com as roupas do baú do teatro de variedades.
Esses dias de glória eram poucos e raros, mas, quando o dinheiro era curto, Hannah mostrava aos filhos como se divertir sem ele.
Ela se sentava no parapeito da janela para observar os passantes e, através de sua aparência e modo de andar e vestir, inventava histórias para distrair Charlie e Sydney. Às vezes representava por mímica tudo o que estava vendo na rua: sem uma palavra, apenas com o uso das mãos e da expressão facial, contava histórias aos meninos.

"Para mim, minha mãe foi a mais esplêndida mulher que conheci... Desde então, pelo mundo afora, encontrei muita gente, mas jamais vi uma mulher mais refinada do que minha mãe. Se consegui ser alguma coisa, eu devo a ela". Charlie Chaplin, Photoplay, 1915

Charlie herdou essas habilidades da mãe, captou os sons e as cenas da vida de Londres, usando-os ao longo de sua vida profissional. Ao se tornar milionário e internacionalmente famoso como ator, Chaplin atribuiria o desenvolvimento de sua carreira ao talento da mãe e às histórias que ela lhe contava na infância.

As escolas de Norwood

Muito provavelmente, Hannah e seus filhos compunham uma estranha família. Era como se tivessem construído um muro ao redor deles e agora esse muro começasse a ruir. Hannah começou a sofrer de dores de cabeça frequentes e violentas. Seu estado se agravou tanto que foi obrigada a se internar por um mês em uma enfermaria.
Não havia mais nada a fazer — Sydney foi obrigado a ir para um asilo de pobres. De lá foi mandado para uma escola de crianças carentes no oeste de Norwood. A escola era bastante moderna, mas tinha o estigma da instituição de caridade.

Fotografia tirada na Hanwell School, destinada a crianças pobres. Com 7 anos e meio, Charlie está no meio do grupo: na terceira fila, é o terceiro garoto a partir da esquerda. Chaplin passou parte da infância em orfanatos e escolas para crianças carentes. Os prédios eram limpos e modernos, mas as crianças, separadas dos pais, eram criadas sem carinho.

Permaneceu lá por três meses e, ao mesmo tempo em que Charles pai era-despojado do pátrio-poder, por absoluto descaso para com as crianças, Hannah ainda não havia se recuperado totalmente para poder recebê-las em casa.
Charlie foi mandado para a casa de parentes e teve uma semana ou duas de estudos. Na verdade, ele nunca receberia uma verdadeira educação formal.
Assim que Hannah se recuperou, os garotos voltaram para casa, mas suas dores de cabeça também voltaram e ela teve de ser internada novamente.

Outra separação

As autoridades estavam perplexas. O pai dos meninos estava bem de vida, mas não auxiliava em nada na sua criação. Havia apenas uma coisa a fazer. "Devido à ausência do pai e à doença da mãe", as crianças foram enviadas à Escola para Crianças Pobres do Centro de Londres, em Hanwell.
As regras eram rígidas. Os meninos tiveram de ser separados por causa da idade. Charlie estava com 7 e Sydney com 11 anos.
Sydney tinha sido um verdadeiro pai para seu irmão mais novo, e a boa comida, os esportes e a piscina não seriam suficientes para compensar a separação dos dois.
A pior coisa que aconteceu a Charlie foi pegar piolhos e ter de raspar o cabelo e cobrir o couro cabeludo com iodo. Sentia-se como um pária. Outra situação desastrosa foi a injusta acusação de se comportar mal, sendo castigado com três fortes batidas de palmatória. Em sua autobiografia, porém, Chaplin recorda sentimentos e situações muito agradáveis, apesar das circunstâncias desfavoráveis.
No dia 18 de janeiro de 1898, depois de dezoito meses na Hanwell, Charlie voltou para casa. Dois dias depois Sydney também retornava. Estavam desesperadamente pobres, mudando de um quarto miserável para outro, cada um pior que o último.

O guarda ferroviário, um personagem típico do teatro de variedades da década de 1880. Os figurinos eram bastante simples, de modo que o personagem fosse imediatamente identificado. A atuação de Chaplin em teatros de variedades, durante a adolescência, foi um treinamento perfeito para o cinema mudo. Tornou-se um gênio da mímica — o maior do mundo.

Um dia de liberdade

Não muito depois tiveram de voltar para o internato. Hannah não tinha autorização para visitar os filhos, mas não era mulher de se deixar intimidar por regras. Informou às autoridades que no momento dispunha de dinheiro suficiente para montar casa novamente — e Sydney e Charlie deviam ser entregues a ela nos portões do internato.
Os três foram ao Kennington Park, um parque malcuidado, de grama gasta, cuja única atração era uma grande fonte.
Sydney havia economizado 9 pence (9 centavos de libra esterlina, a moeda inglesa). Depois de muita discussão, eles gastaram o dinheiro em pouco mais de 200 gramas de cerejas, 2 pence de bolinhos, 1 penny (1 centavo de libra esterlina) de arenque e meio penny em duas xícaras de chá, sendo tudo dividido escrupulosamente entre eles. Sydney fez uma bola de jornal e barbante, e eles jogaram a tarde inteira até Hannah chamá-los para voltarem para casa.
De volta para o internato!
Hannah não tinha recursos para manter um novo lar. As autoridades ficaram estarrecidas com o atrevimento dela. O livro de regras não previa qualquer punição para tal descaramento. Para alegria de Hannah, os meninos tiveram de passar o fim de semana no asilo junto com a mãe. 
Duas semanas mais tarde, porém, ela foi transferida do asilo para o hospital. A notícia foi dada aos filhos na Escola de Norwood da seguinte forma: devido aos problemas, a mãe deles tinha ficado louca e eles seriam enviados para a casa do pai. Foi um dia terrível e assustador.

                                                         Uma fotografia antiga, de um artista de music hall com maquiagem teatral carregada. A maquiagem e as roupas davam brilho e animação ao personagem. As representações eram exageradas para se obter melhor resultado.

Nova mudança

Os meninos foram levados para a casa do pai no furgão de pão. Charlie vivia com uma mulher triste e devota chamada Louise, mas tanto ela como ele estavam constantemente bêbados. Como Hannah havia declarado, aquela não era uma casa para crianças. Quando não bebia, o pai era maravilhoso — mas o problema é que raramente ele estava sóbrio. As crianças ficaram aterrorizadas com a desordem, os gritos e as brigas dos dois.
Uma noite, o pequeno Charlie voltou para casa e encontrou-a trancada. Não sabia o que fazer. A manhã parecia muito distante, e não havia ninguém a quem ele pudesse recorrer.

                                          A vida na Londres vitoriana era repleta de privações — famílias inteiras eram obrigadas a mudar de um quartinho para outro, sem posses nem comida. Quando o aluguel não podia ser pago, a ameaça do asilo e do internato pairava pesadamente sobre elas.

A fim de passar o tempo, ele perambulou pelas ruas sombrias, afastando-se das vielas mais escuras. Bêbados cambaleavam de encontro a ele, casais passavam a seu lado sem lhe dar atenção, tagarelando e rindo. Das janelas abertas ouvia-se o som de choro de bebês, de cantorias e de gritos. O garoto sentiu-se terrivelmente só. Finalmente ele se viu frente a uma taberna: luzes brilhavam através das vidraças, e a porta aberta deixava entrever a madeira polida e o bronze lustroso. Deixou-se ficar ali, invejando as pessoas que se encontravam lá dentro, aquecidas e acompanhadas.
Alguém começou a tocar uma clarineta. Solitário, o garoto ouvia, encantado.
Pareceu-lhe o som mais lindo e tranquilizador que já havia ouvido. Aqueles poucos minutos do lado de fora de um bar londrino abriram seu coração para a música. Nunca mais esqueceria aquele momento. Um dia, ele também comporia músicas que deliciariam o mundo.

Um instante de orgulho

Hannah era uma mulher incrível. Uma pessoa que, contra todas as expectativas, estava bem de novo e, uma vez mais, pronta para montar um lar para os filhos.
Eles mudaram para um quarto que dava os fundos para uma fábrica de picles e que ficava ao lado dos horrores de um matadouro. O mau cheiro era insuportável, mas eles estavam juntos novamente. Charles passou a dar algum dinheiro a Hannah, provavelmente para se certificar que os filhos não voltariam para sua casa.

                  Essas crianças não estão na fila para assistir a um musical. Ou ver uma artista famosa. Estão esperando por uma refeição grátis. Mesmo se houvesse mais pessoas que comida, valia a pena tentar, pois essa era a única maneira que muitas crianças de Londres tinham de se alimentar.

Muito a contragosto, o pequeno Charlie foi mandado para a escola. Ele não era muito bom em leitura e escrita, mas teve um instante de triunfo. A sua declamação de "Miss Priscilla's Cat" recebeu os aplausos da escola inteira... e ele foi levado de classe em classe para que todos pudessem ver a sua atuação. De repente ele se sentiu alguém de valor, não apenas uma criança maltrapilha.
No dia 25 de novembro de 1898, porém, Charlie deixou a escola para sempre. Tinha 9 anos, mas sua infância havia terminado.

Os Garotos de Lancashire

Hannah sustentava a família com trabalho por encomenda. Uma vez por semana sua patroa levava várias peças de tecido para ela fazer blusas. O pedalar e o zumbido da máquina de costura enchiam os dias da família. Hannah não podia se atrasar no aluguel da máquina. A sobrevivência dos três dependia dela.
A comida era comprada em quantidades muito pequenas. Os meninos despencavam escadaria abaixo para apanhar um prato de verduras ou um pedaço de carne para o jantar, ou até um peixe em conserva para aumentar um pouco a refeição fria. Um saquinho de biscoitos amanhecidos era um tesouro.
O salário de Sydney ajudava. Sempre inteligente e esperto, ele agora era entregador de telegramas, usando um uniforme com botões dourados e boné.

“Aqueles foram dias difíceis, com toda certeza. Às vezes, nós (Os Oito Garotos de Lancashire) quase pegávamos no sono no palco, mas, ao darmos uma olhada para Jackson, na coxia, podíamos vê-lo fazendo caretas extraordinárias que mostravam os dentes, distorciam o rosto e o corpo, mostrando que ele queria que nós tomássemos coragem e sorríssemos. A nossa resposta era imediata; mas o nosso sorriso ia se apagando lentamente, até que dávamos, de novo, uma olhadela para Jackson. Éramos apenas crianças e não tínhamos aprendido ainda a arte de arrancar energia do corpo para acabar com o desânimo”. "Mas foi um bom treino, tornando-nos aptos para o trabalho duro que enfrentaríamos antes que a deusa do sucesso começasse a distribuir seus favores". Charlie Chaplin, 1912

Estava claro para Charlie que ele tinha de ganhar a vida, e já sabia como. Desde pequenino, não tinha nenhuma imagem romântica da vida de teatro, mas o que queria mesmo era ser artista.
Charles, pai, ainda estava no negócio, apesar de a bebida ter destruído a chance de uma carreira brilhante. Podia não ter sido um bom pai, mas agora, finalmente, havia alguma coisa que podia fazer e que não lhe custaria nada.
Assim, persuadiu William Jackson a levar o filho para a trupe de crianças que sapateavam, Os Oito Garotos de Lancashire. Como o grupo fugia do comum, estava obtendo um enorme sucesso.

O aprendizado no palco

Foi uma escolha feliz. Jackson era um homem gentil, que cuidava de seus garotos, mas insistia em uma disciplina profissional e em um alto padrão de qualidade. Foi uma excelente base para o futuro de Charlie no palco. Ensaios, espetáculos na matinê e à noite deixavam os meninos muito cansados, mas eles eram profissionais. Seu trabalho era divertir — e fazer rir como eles riam. Se a dança começasse a perder brilho, Jackson já estava nos bastidores gesticulando — e o sorriso dos meninos reaparecia.
Os Garotos de Lancashire dividiam a cena com alguns dos maiores atores da época. Charlie ia retendo na memória tudo aquilo que via.
O Natal foi comemorado com quadros de transformistas, balés acrobáticos, figurinos fulgurantes e comédia-pastelão. O rei dos demônios foi atirado de um alçapão, como um relâmpago envolto em fumaça vermelha, enquanto a rainha das fadas desceu graciosamente do alto.

                                                   As músicas, os figurinos, a atmosfera excitante... Os music halls levavam a plateia para bem longe de sua vida miserável. Eram o lugar ideal para esquecer problemas e rir um pouco, exatamente o que o cinema seria para a geração seguinte.

Mas Charlie também já havia presenciado à exaustão, desde que nascera, a tensão e as injúrias por trás de atuações maravilhosas. Ele fazia parte de um mundo que cheirava a gim e maquiagem, poeira e suor, tigres e leões-marinhos, querosene e linhaça.
Os primeiros passos de Chaplin no teatro haviam sido coroados de sucesso; porém, em apenas dois anos, seus dias com os garotos haviam terminado.
Então, às noites, ele ficava sentado em casa observando Hannah inclinada sobre a máquina de costura, com os dedos guiando o tecido junto à implacável agulha e os olhos vermelhos de cansaço.
Os dias mágicos no palco parecia haver terminado para Charlie Chaplin.

Na escuridão

Então, outra desgraça desaba sobre eles. Charles Chaplin, pai, destruído pela bebida, morre com apenas 37 anos de idade.
Sydney estava sempre no mar e Charlie sentia que precisava ganhar alguma coisa para ajudar em casa enquanto seu irmão estivesse fora.

                                                       No século 19, os palhaços usavam uma grande variedade de trajes. O personagem da ilustração é Scaramouche, que, de muitas formas, lembra o Vagabundo de Chaplin: é um mímico triste e vulnerável. Os dois atores apresentavam as mesmas performances e despertavam os mesmos sentimentos de piedade e simpatia no público.

Comprou narcisos baratos no mercado, fez pequenos buquês de 1 penny e dirigiu-se à região dos bares. A faixa de luto em seu braço e seu olhar triste e sombrio enterneceu o coração de muitas mulheres, o que lhe renderia algum trocado extra. Mas sua mãe descobriu e pôs um fim nesse trabalho. "A bebida matou seu pai, e o dinheiro vindo de bares só pode nos trazer azar", disse-lhe Hannah.
Mas embolsou o lucro.

Bolo e sorvete

Começava o ano de 1901. Com 11 anos de idade, Charlie estava determinado a arranjar um emprego. Foi mensageiro de médico, pajem e até assoprador de vidro em uma fábrica, onde, apesar de o calor ser forte demais para sua idade, ele só faltou um dia.

                           O engraxate era uma figura comum na Londres vitoriana: uma maneira de ganhar algum dinheiro. Aos 14 anos, Charlie ficou completamente só e desamparado, mas sempre havia trabalho avulso a ser feito em troca de umas moedas. Charlie dedicou-se a ajudar entalhadores de madeira, a assoprar vidros e a entregar telegramas.

Sydney voltou do mar com o salário e algum extra de gorjetas — o suficiente para transformar o verão. Anos mais tarde, Chaplin diria: "Foi nossa época de bolo e sorvete". Entre biscoitos, bolinhos, peixe e pãezinhos recheados, os dias passaram como num delicioso sonho.
Logo, porém, Sydney teve de voltar ao mar, e a pobreza novamente dominou sua vida.
Charlie tentou vender sua roupa velha no mercado, mas estava tão puída que nem os mais miseráveis se interessavam por ela. Começou a fazer barquinhos de madeira, mas o cheiro forte da cola perturbava o trabalho de Hannah e ele teve de parar.
Hannah estava mudada. Apesar do pouco dinheiro, sua casa sempre fora limpa e brilhante; ultimamente, porém, estava se tornando cada vez mais empoeirada e suja. Charlie não compreendia o que estava acontecendo e muitas vezes ralhava com ela. Mas não era apatia o que causava a mudança.

A doença volta

Certa manhã de verão, enfastiado daquela desmazelada e exígua água-furtada, Charlie saiu para visitar amigos. Por volta de meio-dia, estava voltando para casa, quando algumas crianças o abordaram.
"Sua mãe ficou louca. Ela está empunhando pedaços de carvão e dizendo que são presentes de aniversário para as crianças".
Charlie precipitou-se escada acima e encontrou a mãe sentada em seu costumeiro lugar, junto à janela. Lançou para ele um olhar desnorteado.
"Estava procurando por Sydney. Eles o afastaram de mim".
Charlie já tinha visto sua mãe doente antes, mas nunca como agora. Como ela cambaleasse, Charlie, com 14 anos de idade, teve de levá-la ao hospital, amparando-a em seus braços ao longo de quase 2 quilômetros até os portões de ferro. Os pedestres olhavam para eles com reprovação, pensando que ela estivesse bêbada.
No grande e despojado quarto, um médico acalmou Hannah e examinou-a gentilmente. Ao final, disse a Charlie que ela não estava nada bem. Hannah foi internada no hospital e seis dias mais tarde, transferida para o asilo.

Sozinho

Não querendo ser cuidado pelo Estado novamente, Charlie disse aos funcionários que iria viver com parentes. Na verdade, voltou ao velho quarto sozinho para esperar a volta de Sydney.
Hannah, como sempre, tentava afastá-lo do pior. Mas, ainda assim, Charlie encontrou roupa suja de molho, nenhuma comida, meio pacote de chá e três moedas de meio penny. Havia um saquinho de balas de hortelã sobre a mesa, que ela havia comprado como um tesouro para ele.
Nas semanas seguintes, Charlie perambulou pelas ruas de Londres, tão só quanto naquela noite em que seu pai deixara-o para fora de casa. Por sorte, encontrou alguns amistosos entalhadores e começou a trabalhar para eles. Na firma, o chefe deu-lhe 2 pence para comprar pão e cascas de queijo.

                    O mercado era o coração de Londres. Bancas enfileiravam-se ao longo das ruas, e vendedores ambulantes apregoavam suas mercadorias aos gritos, enquanto caminhavam de porta em porta. 

Assim que Sydney chegou, os dois garotos foram visitar a mãe. Foi um grande choque ver a mudança que ocorrera em Hannah. Longe da família e de seu ambiente, ela parecia totalmente perdida e desamparada. Charlie ficou transtornado por muito tempo com o que ela lhe dissera em sua confusão mental:
"Se você tivesse me dado uma xícara de chá, eu teria ficado boa".

Charlie encontra seu caminho

Mesmo nas piores fases, Charlie sempre acreditou que havia algo especial encerrado dentro dele. Agora, roto e esfarrapado, estava determinado a começar de novo. Armou-se de coragem e foi procurar um dos mais importantes agentes teatrais de Londres.
No escritório, o empregado olhou para o menino de 14 anos. Era miúdo, de traços delicados, mãos e pés pequenos, cabelos pretos e ondulados, dentes magníficos — um garoto de boa aparência e cheio de energia. Resolveu colocar Charles Spencer Chaplin em sua agenda.
Pouco tempo depois um cartão chegou ao alojamento de Charlie. Com o coração saltando no peito, ele foi ao escritório. Não tinha experiência alguma e estavam lhe oferecendo um bom papel em uma nova montagem de Sherlock Holmes. O conhecido ator H.A. Saintsbury fazia o papel principal. Havia uma oportunidade, também, de outro papel na própria peça de Saintsbury, Jim, um Romance de Cockayne, que seria encenada antes que a produção de Holmes ficasse pronta.
Charlie foi encaminhado para o amplo e distinto Green Room Club para se encontrar com o ator. A vida que levava tornara-o muito tímido — muitos o tomavam por insociável —, mas Saintsbury gostou dele e deixou-o à vontade. Charlie ficou com os dois papéis.

A atuação de Chaplin em Sherlock Holmes, com apenas 14 anos, foi um marco em sua carreira de ator. E, apesar de as peças não obterem grande sucesso, o público reconheceu o seu talento desde o início.

Os ensaios eram completamente diferentes do que vira até então, pois nunca trabalhara como ator, mas Saintsbury era paciente e Charlie aprendia depressa. Como mal sabia ler, Sydney lia o texto junto com ele e, em três dias, sua fala estava decorada.
Jim foi um horrível fracasso, exceto pelo fato de as críticas destacarem "um ator de futuro" na peça: Charles Chaplin.
Um deles escreveu: "Nunca vi o garoto antes, mas espero ouvir falar muito dele no futuro".
Sherlock Holmes estreou no dia 27 de julho de 1903, no enorme Pavilion Theatre e, após curta temporada, começou a excursionar.
Charlie parecia ter mudado da noite para o dia. Foi como se tivesse encontrado algo que lhe houvesse sido destinado fazer. Querido, gentil e talentoso, Sydney também ficaria famoso no palco, mas para ele esse era apenas um trabalho, uma parte de sua vida, enquanto para Charlie o emprego era seu mundo.
Charlie convenceu o diretor a dar um pequeno papel para Sydney. Hannah apresentou melhoras e por um certo período os três excursionaram juntos, quando então pôde se deleitar com o sucesso dos filhos.
A terceira excursão de Holmes foi um péssimo negócio, pois a companhia havia mudado de diretor. Charlie foi salvo por um telegrama, que lhe oferecia um papel na peça de William Gillette, um grande ator americano. A peça fracassou, mas Gillette gostou tanto da atuação de Charlie que lhe deu o papel de Billy na sua montagem de Sherlock Holmes.
Isso significava o West End de Londres, o lado melhor da capital — e dos espetáculos. Charlie tinha apenas 16 anos.

Sucesso e fracasso

Charlie aprendeu muito com Gillette, que era um excelente ator e um professor paciente. Acreditava que a atuação no palco se desenvolvia a partir da observação da vida real — algo que Hannah e Charlie entendiam muito bem.
Mas para Hannah não havia mais progresso. A insanidade contra a qual lutara por tanto tempo havia retornado, mais violenta que nunca. Os filhos estavam fora e foram os amigos que a levaram para o asilo. Desta vez não houve recuperação. Em seus momentos de lucidez, escrevia aos filhos cartas corajosas, tentando ardentemente ser alegre e enviando-lhes seu amor e carinho.
Sydney estava atuando em uma comédia-pastelão chamada Consertos, que envolvia grande quantidade de água, escadas, baldes, massa, papel e quedas. Quando terminou a temporada de Sherlock Holmes, Charlie juntou-se ao irmão.
As coisas pareciam mudar com muita rapidez e Charlie estava ansioso por conquistar algo além do horizonte. No momento, ele atuava em uma peça bastante popular: Casey's Court Circus. O público adorava sua atuação, especialmente quando se precipitava sobre o palco, com uma perna balançando no ar e a outra derrapando pelos cantos.

Charlie Chaplin, com 16 anos, imitando um famoso médico charlatão. Chaplin era um mestre da imitação e da mímica, e já mostrava esse talento desde o início de sua carreira. A inclinação da cabeça, a expressão nos olhos e a posição da mão eram absolutamente perfeitas; ele cuidava atentamente de cada detalhe, incluindo a maquiagem e o figurino.

Mas o sucesso pode ser seguido pelo fracasso. Inacreditavelmente, Charlie apresentou-se como um artista cômico judeu. E teve uma atuação tão ruim que foi vaiado no palco. Chaplin já havia vivenciado essa experiência com sua mãe, mas para ele era novidade. Tremia no camarim, antes de entrar em cena, e nunca mais se sentiu totalmente à vontade nas atuações ao vivo.

Felicidade interrompida

Agora era a vez de Sydney ajudar. Era um astro em ascensão na bem-sucedida montagem de Comediantes Mudos, de Fred Karno e convenceu o diretor a fazer um teste com Charlie durante duas semanas, sem pagamento.
Deram-lhe uma ponta, mas Chaplin sabia que era sua grande chance. Deu o melhor de si em todos os detalhes da atuação, acrescentando pequenos truques inesperados — e atingindo o sucesso dos melhores astros, para deleite do público. Não conquistou a estima dos outros atores, mas Karno reconheceu seu talento e Charlie foi integrado ao elenco.

Cinco das companhias de Fred Karno saíram de Londres em turnês, com a presença de Chaplin como um de seus principais artistas. Multidões se aglomeravam para ver os atores em suas viagens pelos Estados Unidos e Europa. As companhias e seus astros, como acontece hoje com os artistas mais famosos da TV e da música, eram cercados pelo público aonde quer que fossem.

Chaplin confundia o resto da companhia com sua versatilidade. Mas um membro do grupo, Stan Laurel — que um dia se reuniria a Oliver Hardy para montar uma das maiores duplas de comediantes de todos os tempos (O Gordo e o Magro) — gostou dele. Percebeu que Charlie era tímido e se dedicava inteiramente ao trabalho. Sabia que poderia ser tão brincalhão, delicado e generoso como os outros atores — mas seu trabalho vinha em primeiro lugar.
Era o ano de 1908. Charlie estava com 19 anos e se apaixonou. Hetty Kelly tinha apenas 15, e seus pais cortaram o romance antes mesmo que começasse. Mas a lembrança da bela Hetty o acompanharia por toda a vida.

Excursionando com Fred Karno

Fred Karno era grosseiro, ignorante, às vezes cruel, mas ele entendia de comédia. Disse a Chaplin que uma pitada de sentimento podia dar bons resultados num quadro humorístico, observação que ele seguiria à risca em seus filmes.
Em 1910, quando Karno realizou sua primeira turnê pelos Estados Unidos, Chaplin foi incluído no grupo. Ele emplacou em cheio com os americanos. Foi considerado pela crítica dos Estados Unidos como "um dos melhores artistas de pantomima jamais vistos".

Datada de 1890, esta máquina mostrava, em movimento, as imagens de atrações comuns nos palcos da época: malabaristas e mímicos.

A companhia ficou fora 21 meses e, quando Chaplin voltou, Sydney estava casado. A próxima turnê aos Estados Unidos teria início dentro de cinco meses, mas Charlie estava muito insatisfeito com a forma com que eram organizadas as excursões. No entanto, a turnê foi um enorme sucesso — e Chaplin também.
Estavam em Filadélfia, quando receberam o seguinte telegrama:
"Há um homem chamado Chaffin ou qualquer coisa parecida na companhia? Se houver, comunicar-se com Kessel e Baumann..."
Intrigado, Chaplin tirou um dia para visitar esses misteriosos cavalheiros em Nova York. Para seu assombro, soube que haviam assistido a sua cena e estavam lhe oferecendo a oportunidade de substituir um astro na companhia cinematográfica Keystone.
Era maio de 1913 — e a vida de Chaplin estava para mudar inteiramente.

Chaplin descobre o cinema

O cinema — ou cinematógrafo — foi criado no ano em que Chaplin nasceu. A princípio, a plateia ficava aturdida ao ver as cenas em movimento — sensação que durava apenas alguns instantes —, mas em 1913 o cinema estava se tornando um grande negócio. A Keystone produzia filmes em grande quantidade, em detrimento da qualidade, para atender à demanda. Ainda assim as pessoas acreditavam que era uma moda passageira que jamais substituiria os espetáculos ao vivo.

Uma câmera de 1889, com dezesseis lentes: cada uma delas gravava imagens separadas em uma chapa fotográfica.


Os estúdios não eram nem de longe equipados como os de hoje. Na biografia Chaplin — Sua Vida e Arte, David Robinson descreve assim o lugar para onde Chaplin estava direcionando sua vida: "Uma área de menos de 15 metros quadrados, confinada por uma cerca verde de madeira. No centro ficava o palco, encimado por um pano branco para difundir a luz do sol. Um velho bangalô abrigava o escritório e o camarim das mulheres; uma construção agrícola adaptada servia de camarim para os homens".
E era só.
Não havia som, mas nos filmes de amor uma orquestra estava sempre a postos para criar a atmosfera propícia aos atores. As filmadoras a manivela ficavam em posições fixas. O ator obedecia mais à câmera do que a câmera ao ator.
Muitas das tomadas eram feitas fora do estúdio, no jardim ou nas ruas próximas. Na época, tudo dependia do sol, pois não havia iluminação própria para o local.

Keystone

Chaplin ficou muito animado com a proposta da Keystone, mas agora que estava em Hollywood começou a se questionar se teria feito a escolha certa. Afinal de contas, ele era um comediante de teatro. Durante vários dias esteve nervoso demais, até para ir ao estúdio. Deu um telefonema urgente para Sennett, seu novo diretor, para vir ao seu encontro.
Ficou completamente desalentado com o que viu. Sua comédia sempre dependeu de ensaios, com ritmo e clareza precisos e efeitos calculados. A Keystone não acreditava em tais sutilezas.

Ao ser rodado em uma determinada velocidade, este disco mostrava o cavalo e o cavaleiro correndo. Esta é uma das primeiras invenções que, aprimoradas, levaram ao equipamento usado hoje no cinema.

Suas comédias se baseavam em pancadaria, corridas e perseguições e usavam maquiagem grosseira. Mas Chaplin não se deixaria abater. Ele tinha várias semanas para esperar e aproveitou o tempo para olhar e aprender. Estava determinado a dominar o novo meio de comunicação. Havia a oportunidade de dinheiro e sucesso — e ele estaria livre do imprevisível público de teatro.

O primeiro filme

Em fevereiro de 1914 estreou o primeiro filme de Chaplin, que continha um rolo com duração de 15 minutos. Chamava-se Carlitos Repórter. Embora ainda conhecesse muito pouco sobre cinema, ele entendia de comédia, e percebeu que o diretor era, definitivamente, incompetente. Estava amargamente desapontado com o resultado final do trabalho. Tudo o que havia sugerido fora cortado na edição final.
Mesmo assim o público gostou e reconheceu em Chaplin — com a sobrecasaca e o chapéu-coco — "um comediante de primeira".
A insatisfação serviu para Charles Spencer Chaplin caprichar mais em futuras atuações.

Charlie Chaplin era popular entre as atrizes estreantes — bonito, jovem e talentoso, ganhava muito dinheiro e se tornava mais famoso a cada dia. Sempre se apaixonava pela atriz jovem e bonita com quem contracenava. No quarto casamento encontrou a felicidade.

Sennett tinha uma fórmula certa de economizar dinheiro em locações e extras. Levava a equipe para onde estivesse acontecendo algum evento e deixava os atores se misturarem à multidão.
O segundo filme de Chaplin foi rodado em uma corrida de automóvel para crianças. Disseram-lhe para vestir o uniforme e fazer alguma coisa errada na pista.

Nasce o Vagabundo

Escolheu um chapéu-coco menor que a cabeça, um paletó apertado, calças grandes demais, botinas enormes e uma bengalinha de cana-da-índia. Assim o Vagabundo fez sua primeira aparição nas telas. Chaplin jamais poderia imaginar a fama que esse personagem conquistaria. Mas desde o primeiro momento sabia qual seria seu comportamento: um homem sem sorte que tenta corajosamente obter um pouco de dignidade.

"Ele [Chaplin] era uma figura estranha, mórbida, romântica, não demonstrando ter consciência da grandeza que havia nele". Constance Collier

Lembrou-se dos pobres trabalhadores de sua infância, que branqueavam com giz o colarinho, manchavam com tinta as mangas puídas e adornavam as bordas rasgadas de suas camisas para parecerem respeitáveis. Recordou como homens, mulheres e crianças miseráveis usavam um chapéu, mesmo em péssimo estado.
Muito tempo depois, disse em uma entrevista que tinha aprendido aquele jeito de caminhar trocando o passo, com os pés voltados para fora, observando um velho bêbado, quando era criança. Em todos os seus filmes ele utilizaria sempre elementos de sua infância.

Muitos dos filmes de Charlie Chaplin abordavam assuntos sérios — mas com um humor característico. Chaplin se jogava na água, atirava tortas e corria pelas ruas de forma natural e espontânea. Cada cena era esmeradamente trabalhada até obter o efeito que ele desejava, não importando quantas vezes tivesse de ser repetida.

O Vagabundo tinha futuro, mas Chaplin ainda faria vários filmes até obter a caracterização definitiva do personagem. Por longo tempo desempenhou todos os tipos de papéis. Ele era bom, mas ainda um comediante entre muitos outros. Nesses primeiros trabalhos já havia lampejos do charme e da imaginação dos seguintes. Os primeiros filmes eram muito rápidos, rudes e às vezes violentos. Pancadarias, correrias e quedas eram os ingredientes para fazer rir.

Experiência

Os dois primeiros rolos de Mabel at the Wheel (Carlitos Banca o Tirano) foram filmados em abril de 1914. Desde fevereiro havia feito dez filmes e aprendido muito — mas estava longe de se sentir satisfeito. Agora conhecia as possibilidades do cinema, ainda que suas sugestões fossem ignoradas. Quando Charlie ficou seguro de que estava certo, ele se sobrepôs aos outros, agarrou o diretor Mack Sennett e exigiu um tratamento melhor.

Cena de um filme de 1915. Chaplin aparece sem seu famoso bigode; a câmera à direita fotografa os atores. Com a Keystone, Chaplin desenvolveu um estilo particular de atuar e dirigiu quase todos os filmes de que participou.

Sennett era importante e quase o pôs no olho da rua — mas o público o amava e os distribuidores pediam cada vez mais filmes de Chaplin. Assim, Sennett viu-se forçado a dar o que ele reclamava. Desde então, até o último filme rodado no estúdio da Keystone, Chaplin dirigiu todos aqueles em que aparecia, com uma única exceção.
Num espaço de tempo inacreditavelmente curto, Charles Chaplin fez aquilo a que se havia proposto: tornar-se uma celebridade no cinema... mas estava pagando o seu preço.
Quando começou a trabalhar na Keystone, ele se reunia aos outros integrantes da companhia para um drinque depois das filmagens ou para assistir a uma luta de boxe, mas, assim que a pressão do trabalho aumentou, sua vida social foi abalada. Os tempos da Karno estavam de volta. Para Charlie, o trabalho era mais importante que qualquer outra coisa. Por isso ele ficava frequentemente sozinho.

"Negócio é negócio"

O contrato de Chaplin com Sennett estava chegando ao fim. Escreveu para Sydney, exultante e surpreso com sua rápida escalada à fama:
"Todo meu tempo é tomado por filmagens. Escrevo, dirijo e atuo e, acredite-me, isso toma tempo. Bem, Syd, eu me saí bem. Todos os cinemas expõem meu nome em letras grandes, isto é: ‘Chas Chaplin (sic) em cartaz hoje'. Já lhe disse que neste país tenho uma grande bilheteria. Os diretores me dizem que recebo cerca de cinquenta cartas por semana de homens e mulheres de todas as partes do mundo. É maravilhoso verificar como me tornei popular em tão pouco tempo. No próximo ano, espero ganhar muita grana".

"Durante anos eu me especializei em um tipo de comédia: a pantomima. Eu a avaliei, aferi, estudei. Seria capaz de estabelecer os princípios que governam as reações da platéia. São com certeza o ritmo e o tempo. Diálogos, a meu ver, sempre reduzem a ação, porque a ação deve seguir de perto as palavras". Charlie Chaplin

A falta de estudos não mais afetaria Chaplin... ele era um astuto homem de negócios. Sabia que devia continuar em frente. "O senhor Sennett é um homem encantador, e nós somos amigos, mas negócio é negócio".
Era um daqueles riscos que se deve correr: depois de alguns desapontamentos e uma certa ansiedade, assinou contrato com a companhia cinematográfica Essanay, de Chicago. Em dezembro de 1914, Chaplin se mudou para lá: seus dias de aprendiz no cinema haviam chegado ao fim.

Essanay

Chicago já era uma cidade fria, mas, quando Chaplin deparou com os métodos de produção da Essanay, seu coração congelou.
Keystone podia ser meio louca às vezes, mas pelo menos era viva e criativa. Essanay era simplesmente uma máquina de fazer filme, muito mal organizada, dispendiosa e sovina ao mesmo tempo. No entanto, contava com alguns bons comediantes, e, assim, Chaplin fez o possível para não sentir que tinha sido um erro ter aceitado o negócio.

Um elegante e requintado Chaplin. Sem a roupa característica era difícil reconhecer o desolado Vagabundo ou perceber o moleque de rua que ele fora na infância.

Seus companheiros de trabalho estavam fascinados por ele. Chaplin já era um astro, mas ainda vivia com simplicidade e muito poucas posses. O seu trabalho, como sempre, era a sua vida. Ele o via não como algo glamoroso ou excitante, mas como um trabalho a ser executado da forma mais perfeita possível.
Chaplin assinou um contrato com o estúdio para fazer catorze filmes. His New Job (Seu Novo Emprego) foi filmado em apenas duas semanas e rendeu mais dinheiro em pré-estreias que qualquer outro filme da Essanay.
Mas o frio de Chicago era demasiado para Chaplin.
Então se transferiu para os estúdios da Califórnia: deprimente, pequeno, mas quente.
Apesar de tudo, Chaplin conseguiu fazer bons filmes. A comédia estava mudando. Em 1915, o público estourava de rir em cenas que, muito provavelmente, o público de hoje acharia repetitivas e abrutalhadas. Mas as legendas explicativas das mímicas de Chaplin, o lampejo de seu sorriso e seu ritmo incrivelmente preciso são tão novos hoje como à época em que foram filmados.

O Pequeno Vagabundo

The Tramp (O Vagabundo) representou um grande passo à frente. Foi nesse filme que nasceu o Pequeno Vagabundo, personagem que vem à mente da maioria das pessoas ao pensar em Charlie Chaplin, sendo confundido com a figura do próprio ator. A verdade é que esse personagem falava direto ao coração: pequeno e tímido, uma estranha combinação de homem e criança, delicado, melancólico, travesso e valente — mas acima de tudo um sobrevivente. Um personagem com o qual qualquer pessoa no mundo poderia se identificar. Sua tristeza e seu tipo de comédia atravessaram fronteiras. Mesmo sem falar, todos podiam compreendê-lo.

Calças largas, paletó apertado, chapéu-coco, sapatos de palhaço e um bigodinho eram a marca característica de Carlitos. Em 1916, Chaplin era o ator mais famoso dos Estados Unidos, sendo adorado no mundo inteiro. O pobre Vagabundo tornara-se, em pouco tempo, um dos homens mais ricos do mundo.

Chaplin queria muito realizar um longa-metragem intitulado Life, com o qual pretendia introduzir grande dose de realismo e verdade à sua comédia. O Vagabundo perambulava por um mundo desolado e pobre, o mesmo mundo que Chaplin conheceu quando menino.
Mas o estúdio não acreditou que o filme desse dinheiro e Chaplin teve de abandonar o projeto. No entanto, Essanay aproveitou algumas tomadas e colocou-as em outros filmes, o que deixou o ator profundamente magoado e revoltado, uma vez que elas estavam completamente fora de contexto.
Chaplin sempre quis que as tomadas experimentais fossem destruídas, para não desiludir o público. Lembrava-se das doces bailarinas e dos tristes e neuróticos comediantes de sua juventude — e queria que os seus espectadores vissem apenas o final mágico.

Gênio

Felizmente foi desobedecido. Depois de sua morte, dois pesquisadores ingleses, Kevin Brownlow e David Gill, resgataram quantidades enormes de rolos de filmes descartados e montaram um documentário que mostrou ao público como Charlie Chaplin criava seus filmes.
Só um gênio poderia ter inutilizado algumas daquelas sequências. Não importava quanto tempo tivessem gasto para fazê-las; se não satisfizessem a Chaplin, elas eram cortadas. Seus filmes eram totalmente enxutos.

A genialidade de Chaplin não se limitava a fazer filmes; ele também era um talentoso homem de negócios. A ilustração mostra o Vagabundo tratando de finanças. O dinheiro deu a Chaplin a segurança que não teve na infância, mas o seu objetivo era fazer as pessoas rirem com seus filmes, trabalho que desempenhou à perfeição. Chaplin nunca foi movido por dinheiro, apesar de ter se tornado muito rico.
 
Em 1936 ele disse ao grande cineasta francês, Jean Cocteau, que um filme era como uma árvore: quando balançada, tudo o que não era necessário caía, restando apenas a essência. Quando cada centímetro de material supérfluo tivesse sido descartado, o filme estaria pronto.
Essanay continuava a irritar Chaplin. Fez um compacto: dois rolos humorísticos foram utilizados em Carmen. O estúdio emendou tomadas externas de vários filmes e montou um longa-metragem. O resultado foi uma escrachada mixórdia que causou tanto horror a Chaplin que ele ficou doente a ponto de não sair da cama por dois dias.

Fama

Charlie Chaplin tornara-se famoso, e sofria com isso. Muitos filmes foram feitos por produtoras rivais, copiando de forma descarada seus personagens. Até o irmão Sydney apareceu nas telas como um Vagabundo meio sem graça.
A mania Charlie Chaplin parecia dominar o mundo. O Vagabundo apareceu em histórias em quadrinhos, desenhos animados, bonecos, livros, músicas. Na França dançava-se o One-Step Charlot.
Mas o próprio Chaplin era o único a não perceber o que acontecia: estava ocupado demais para isso.
O fato é que nenhum ator de cinema era tão famoso ou amado quanto ele.

"Alguns consideram o cinema a grande arte do século 20, mas a maioria aponta Chaplin como seu gênio primaz". Leonard Maltin, no artigo ‘Fãs do Cinema Mudo Encontram Um Vagabundo Perdido’.

Em fevereiro de 1916, Chaplin foi a Nova York e ficou estupefato com a recepção que teve ao longo da viagem. O chefe de polícia foi obrigado a pedir-lhe para desembarcar do trem uma estação antes da Grand Central, pois a multidão que o esperava era fabulosa.
Charlie tornara-se tão famoso que todos os estúdios o queriam desesperadamente. Sydney era o seu agente e estava determinado a conseguir o melhor cachê possível. No final, Chaplin assinou com a Mutual por um valor desconcertante — o maior da história do cinema até então. Ele tinha 27 anos.

Em busca da perfeição

Charlie Chaplin dedicou-se a montar uma pequena companhia de atores. Conhecia as suas possibilidades e sua posição permitia-lhe fazer filmes do jeito que queria, ou seja, levando mais tempo nas filmagens e usando mais rolos de filmes. Tornara-se mais implacável do que nunca na busca da perfeição.
Hoje em dia os filmes são tão caros que têm de ser feitos com uma quantidade limitada de tomadas de cena, mas Charlie cresceu em meio a uma arte viva.
Com uma ideia em mente, começava a filmar, mudava, filmava de novo, mudava os personagens, mudava o cenário e então descartava todas as tomadas e começava tudo de novo. Frequentemente ia para o estúdio sem qualquer ideia e simplesmente começava a filmar.

"A dança dos pãezinhos"... A genialidade de Chaplin está presente nesta sequência de seis tomadas, que fazem parte do filme Em Busca do Ouro. Chaplin usa dois garfos e dois pãezinhos como se fossem dois pés e os faz dançar. Eles apontam para a direita e para a esquerda, e as feições de Chaplin reproduzem exatamente a expressão da bailarina. É mágico, é Chaplin em um dos seus melhores momentos.

Precisava de atores que lhe permitissem representar qualquer cena. Era como se, com isso, quisesse introjetar-se neles.
Chaplin era incrivelmente versátil. Tocava violoncelo e violino, era ginasta, bailarino e patinador. Mas, acima de tudo, era mímico.
Uma memorável sequência de Casa de Penhores (The Pawnshops), de 1916 — na qual o agiota Charlie avalia um relógio — serve como exemplo. Ele ouve "clinicamente" o relógio, com um estetoscópio, e em seguida ataca-o com um martelo e uma broca. Depois disso, abre o relógio com um abridor de latas, cheira o conteúdo e examina-o minuciosamente com uma lente de relojoeiro. Não satisfeito, retira todo o mecanismo com um par de pinças e, como a mola mestra parece investir furiosamente para a frente, ele a lubrifica.
Finda essa análise completa, ele varre as ruínas do objeto para dentro do chapéu do freguês e dispensa-o com um dar-de-ombros. O objeto não tinha valor de penhora.

"O Imigrante"

Ele agora era um mestre na sua arte. Enquanto alguns artistas — escritores, pintores, cineastas — tinham a ideia pronta antes de iniciar o trabalho e efetuavam pouquíssimas alterações posteriores, atores como Charlie Chaplin produziam em grande quantidade, para depois cortar até a forma final.
Para a realização de O Imigrante (The Immigrant), em junho de 1917, foram empregados mais de 12 mil metros de filme. Junto com seus assistentes, Charlie levou quatro dias e quatro noites para cortá-los até obter os 60 metros exigidos. Examinou cada cena umas cinquenta vezes antes de decidir exatamente onde cortar. No final, Chaplin estava "sujo, pálido e sem colarinho, mas o filme estava pronto". O Imigrante foi o primeiro de uma série de grandes filmes de Chaplin que apontavam uma saída social para a época. De 1917 até a Segunda Guerra Mundial, seus grandes filmes focalizaram a injustiça — sendo que muitos deles provocavam uma reação emocional profunda na plateia.

"Seu público (de Chaplin) nos Estados Unidos era composto, em sua maioria, por imigrantes europeus e seus descendentes. Todos os dias eram tristes: o povo convivia com o desemprego, a corrupção, um governo severo e uma classe alta elitista. Naquele pequeno vagabundo que viam no cinema, encontravam um aliado e amigo. Quando deparavam com garçons, barbeiros, estudantes ou policiais na tela, estavam vivendo o seu dia-a-dia, só que o resultado era cômico". Thomas Leeflang - The World of Comedy (O Mundo da Comédia)

O Imigrante abordou a situação difícil de todos os pobres dos Estados Unidos. De muitas maneiras pode ser visto como um filme autobiográfico — Chaplin chegou aos Estados Unidos como um estranho e descobriu o lado bom e o lado mau que o país tinha a oferecer.
Nesse filme, Carlitos aparece a bordo de um navio com unia mistura bizarra de imigrantes. Encontra Edna e a mãe, que ficaram sem dinheiro, após terem sido roubadas por um jogador — é uma cômica história de amor contra os terríveis sofrimentos que os imigrantes tiveram de enfrentar. Atraídos por lendas de uma terra cheia de ouro e oportunidades, acabaram sendo rejeitados nesse novo país. No filme, a Estátua da Liberdade aparece ao fundo com o seguinte título: "Chegada à Terra da Liberdade". Na verdade, a multidão de imigrantes que chegava era imediatamente amontoada como gado pelos serviços de imigração.

O eterno perdedor

Como o Vagabundo, Chaplin era o eterno derrotado que sempre vencia no final. Ergueu uma ponte entre ricos e pobres, bem-sucedidos e perdedores, permanecendo como o homenzinho que triunfa diante de todas as adversidades.

O Vagabundo, o eterno perdedor, sempre inspirou muita piedade. O público não podia ajudá-lo, mas carregava-o no coração. Os filmes, porém, sempre terminavam com o Vagabundo conquistando a mocinha ou ganhando dinheiro. Muitos dos filmes de Chaplin versam sobre sua própria dor e raiva contra a perseguição às pessoas que não eram consideradas "importantes". Foi essa temática que tornou seus filmes tão duradouros.

Chaplin trouxe uma certa dignidade aos desafortunados, dando-lhes a chance de rir deles próprios, sabendo que sempre venceriam no final. Foi essa característica que deu a Carlitos uma popularidade universal, pois ele rompeu todas as barreiras sociais para o seu público.

Primeira Guerra Mundial

Em 1914, ao ser deflagrada a Primeira Guerra Mundial, muitos acharam que Chaplin deveria voltar à Inglaterra — ele não era cidadão americano. Outros, porém, sabiam que os filmes de Charlie Chaplin davam mais resultado — trazendo riso e esperança àqueles dias sombrios e ao mesmo tempo dinheiro para os Estados Unidos — do que qualquer pequeno soldado jamais poderia ter dado.
Chaplin contribuiu para a guerra da melhor forma possível: fazendo um filme. Em maio de 1918 — agora na First National —, tiveram início as filmagens de Ombro Armas (Shoulder Arms). A guerra já durava quatro anos e Chaplin tomou o que aparentemente era uma surpreendente decisão. Iria rodar uma comédia nas trincheiras.
Até aquele momento, a maioria dos filmes não passava de um amontoado de incidentes desconexos, mal alinhavados. Agora eles começariam a ser construídos de forma apropriada, como as peças de teatro... e não mais seriam vistos como um entretenimento só para as massas.
Ombro Armas estava tão claro na cabeça de Chaplin que ele realizou o filme em muito pouco tempo, quadro após quadro de maravilhosa comédia. (Somente depois de 65 anos essas tomadas foram encontradas e incluídas em um documentário para a televisão: The Unknown Chaplin — O Chaplin Desconhecido.)
Depois de um mês, Chaplin descartou todas as tomadas que havia feito, construiu novos cenários e recomeçou.
No filme, apreendeu a terrível realidade de cada soldado — a lama interminável da Bélgica e da Holanda, as trincheiras encharcadas, os piolhos e os ratos, os bombardeios constantes e o medo — e transformou todos esses elementos numa comédia que zombava da idiotice da guerra.
Ombro Armas estreou em outubro de 1918, um mês antes da assinatura do armistício que marcou o fim da guerra. Ao voltar, as tropas combatentes adoraram o filme. Autodenominaram-se o "Exército de Fred Karno". Serem capaz de rir da insanidade da guerra era sua única verdadeira defesa.

Casamento

Dois dias antes da estreia, Chaplin casou-se com Mildred Harris, jovem com a mesma aparência infantil de seu primeiro amor, Hetty Kelly.

Mildred Harris e Charlie Chaplin casaram-se em outubro de 1918. Mildred foi a primeira de suas quatro esposas. Eles não foram felizes, pois, nos primeiros casamentos, Chaplin parecia buscar sua paixão de infância, Hetty Kelly; e não conseguia encontrar o que procurava.

Ele era famoso, atraente e muito, muito rico — e se apaixonava com grande facilidade —, o que o tornava alvo de moças bonitas, ávidas por um papel em um filme e por dividir sua fortuna.
O problema era que a mente e o coração de Charlie Chaplin eram dominados pelo trabalho. Por consequência, abandonava seus amores tão rápido quanto se apaixonava.
O casamento com Mildred foi um ato sem esperanças desde o início. Chaplin estava tão infeliz que até fazer um filme transformara-se num pesadelo. Mas tomou uma decisão importante. Começou a construir um estúdio independente, em sociedade com o homem que considerava seu único verdadeiro amigo, Douglas Fairbanks, com a mulher de Fairbanks, Mary Pickford, e com o cineasta D.W. Griffith. Seria chamado United Artists.
Chaplin e Mildred esperavam o nascimento de seu primeiro bebê para os próximos dias. Se Chaplin alimentava qualquer esperança de que um filho pudesse salvar seu casamento, estava profundamente enganado. No dia 7 de julho de 1919, Mildred deu à luz um menino, Norman Spencer, que viveu apenas três dias. Chaplin ficou inconsolável.

"O Garoto"

Havia apenas um modo de enfrentar essa perda. Mergulhou no trabalho para produzir um novo longa-metragem: O Garoto (The Kid).
Finalmente, Chaplin encontrou o ator perfeito para o papel principal: Jackie Coogan, de 4 anos de idade. Chaplin estava assistindo ao espetáculo do pai de Jackie, um exótico bailarino. No final do ato, ele trouxe o filho ao palco: o menino imitou o pai com tanta graça que fez o teatro vir abaixo — exatamente como Chaplin havia feito uma vez, na infância.
Chaplin encontrou-se com a família no hotel em que estavam hospedados, e ele e o garotinho Jackie começaram a trabalhar. Chaplin obteve uma maravilhosa interpretação de Jackie.
A história do vagabundo e do garoto tocou o coração de todos, e o filme foi um enorme sucesso, entrando em cartaz em cinquenta países.

Jackie Coogan, como o Garoto e Charlie Chaplin, como o Vagabundo, formaram uma dupla memorável. O filme era muito mais que uma história triste e divertida — abordava o amor e a ligação entre a criança e seu 'Pai'. Através de um feroz libelo contra os orfanatos que conhecera na infância, Chaplin mostra a necessidade fundamental que uma criança tem de fazer parte de uma família — mesmo que seja pequena ou inadequada. Os dois não podiam ser separados.

O Garoto abordava outro problema social que afetava profundamente Charlie Chaplin: o tratamento às crianças abandonadas. O pavor que sentiu ao ser levado a um orfanato ficou gravado para sempre em sua memória. A cena inicial do filme mostra Edna, "cujo único pecado era a maternidade", deixando o hospital com seu bebê. Pensando em se suicidar, ela deixa a criança no banco de trás de um automóvel de luxo, com um bilhete pedindo a quem a encontrasse que cuidasse dela e a protegesse. O carro, porém, é roubado e o bebê fica abandonado na calçada, onde o Vagabundo o encontra e, com relutância, torna-se seu guardião. Foi a vez de o Vagabundo aprender a cuidar de uma criança, transformando uma rede em berço e um velho pote de café em mamadeira. Jackie Coogan era uma revelação infantil aos 5 anos de idade. A amizade entre Chaplin e Jackie saiu das telas e se transformou em uma comovente e carinhosa relação na vida real. O Garoto e o Vagabundo discutiram negócios e conseguiram cutucar a lei em vigor, com muito humor.

"O próprio Chaplin creditava a resposta mundial à imagem do garoto, ao símbolo que ela representava — todos os órfãos da última guerra. Jackie (Coogan) deu ao mundo algo de que o mundo necessitava". David Robinson, na biografia Chaplin: Sua Vida e Arte.

No filme, a mãe do Garoto, que não o esquecera, torna-se uma famosa cantora de ópera. Ela passa pelo Garoto e pelo Vagabundo na rua, em meio a uma briga, mas não reconhece o filho. A pista da criança surge para ela quando o menino adoece e o Vagabundo, depois de tentar curá-lo sozinho, descobre o médico que Edna consultara antes de ter o bebê. Quando o médico pergunta a Carlitos se era o pai da criança, ele mostra o bilhete que encontrara pregado à roupa do menino — o orfanato, então, é notificado a fim de que a criança possa receber "atenção e cuidados adequados". Foi assim que Edna reencontrou no Garoto a sua criança abandonada.
David Robinson, em sua biografia de Chaplin, descreve a cena seguinte como "a mais extraordinária do filme e uma das mais memoráveis de toda a história do cinema". O garoto é despachado como um objeto perdido em um vagão de órfãos. Angustiado, o Vagabundo, seguido por um policial, pula sobre a capota do vagão e resgata seu "filho". Ao salvar o garoto dos perigos do orfanato, o Vagabundo torna-se um herói. O filme termina com o Garoto indo viver com a mãe e com o Vagabundo sendo convidado a sua magnífica mansão.
O Garoto foi um sucesso, sendo um filme diferente dos outros de Charlie Chaplin: apresenta mais drama e muito pouca comédia.


"Havia, pelo menos para mim, mais emoção em uma única lágrima de O Garoto que em todo o conteúdo de uma ópera... Eu não ria de Charlie até chorar. Na verdade, eu ria para não chorar, o que é bem diferente". Um crítico de cinema.

O público adorou-o por seu forte apelo emotivo. A criança abandonada precisava de amor e o Vagabundo, pobre e desqualificado como pai, foi a única pessoa capaz de suprir essa necessidade. O amor que havia entre "pai" e "filho" era tão forte que não podia ser quebrado.

Divórcio

A vida particular de Chaplin, porém, continuava a se desintegrar. Em abril de 1920, Mildred entrou com o pedido de divórcio e em novembro eles estavam oficialmente divorciados.
Finalmente a vida parecia mais serena, e, em 1921, Chaplin pediu a amigos que providenciassem a vinda de Hannah, sua mãe, aos Estados Unidos. Para deleite dela, eles lhe providenciaram um guarda-roupa novo e completo.

Nos primeiros filmes, o Vagabundo saía caminhando à distância, na cena final — significando, talvez, a esperança de um futuro melhor, com um toque de tristeza. Pela primeira vez, em Tempos Modernos, o Vagabundo não estava só.

Sua mente ainda estava confusa, mas ela aproveitou a viagem e, exceto pelo momento em que confundiu um funcionário da alfândega com Jesus Cristo, seu comportamento foi normal. Depois de tantos anos de pobreza e sofrimento, e dos anos passados em uma clínica para doentes mentais, ela finalmente tinha a sua casa. Não se sentiu nem um pouco desconcertada com a mudança e, apesar de inclinada a oferecer sorvete a cada pessoa que passava, estava calma e feliz. Sorvete sempre havia sido um símbolo de diversão em sua família!

Cenas antigas, novos horizontes

No dia 22 de agosto de 1921, Chaplin abandonou repentinamente o filme em que estava trabalhando e anunciou que ia para a Europa. Cinco dias mais tarde, embarcou em um navio para Londres.

"Quando Chaplin fez uma curta visita a Londres, em 1921, recebeu mais de 73 mil cartas de fãs. O conto de fadas do jovem "cockney" em Hollywood conquistou a imaginação do público. O menino miserável tornara-se em pouco tempo milionário, passando a conviver com pessoas como Einstein, Toscanini, Chou En-Lai, Cocteau, Churchill, Sartre, Picasso e Gandhi. Seu patrimônio foi avaliado em mais de 500 milhões de libras, após sua morte". Thomas Leeflang, The World of Comedy

Passado e presente se confundiam em sua mente. Em 1910, ele havia viajado para os Estados Unidos com Fred Karno; na época, era um jovem comediante, grato por um emprego. Agora, apenas onze anos mais tarde, era talvez um dos homens mais famosos do mundo.
A cada estação, durante a viagem do porto até Londres, o povo aguardava para ver seu trem passar. Londres estava abarrotada por uma animada multidão.
Refugiou-se no hotel, onde entrou pela porta dos fundos, e revisitou todos os lugares que havia conhecido nos anos de fome e sofrimento de sua infância, os quais haviam sido recriados em muitos de seus filmes. Parecia ser outro mundo, outro Chaplin, apesar de a maioria das coisas quase não ter mudado.

Chaplin frustrou-se com as companhias cinematográficas e com os diretores e assumiu controle total sobre seu trabalho. Dirigiu e editou suas produções: filmava milhares de metros de filme, descartava todos e recomeçava a filmar. Aqui ele analisa o copião de O Garoto, filme que se tornaria um clássico. Assim, ao seu talento de mímico e homem de negócios acrescentou o de brilhante editor de cinema.

Estava com 32 anos de idade. Encontrou pessoas que havia conhecido em outras circunstâncias, mas não era mais o seu mundo, apesar de prosseguir na luta contra a pobreza e de sentir piedade por todas as pessoas que eram oprimidas pela miséria. Encontrou-se também com outro tipo de gente — pessoas famosas, escritores, atores e políticos. E em posição de igualdade. Movido apenas por impulsos, mudou-se para a França e para a Alemanha, mas, em outubro de 1921, estava de volta aos Estados Unidos.

"Apesar da infância pobre, aos 26 anos Chaplin era um astro conhecido no mundo inteiro. Provavelmente foi a primeira pessoa a receber a badalação das massas, agora tão comum entre os cantores de rock". Madeline Sotheby, The Chaplin Story

"Em Busca do Ouro"

Em Los Angeles, Chaplin dedicou-se a terminar os últimos filmes do seu contrato com a First National. O estúdio havia lhe causado muitos problemas — houve um momento em que pensou em vendê-lo por 10 milhões de dólares —, e ele queria ficar livre dele.
Assim que terminou Pastor de Almas (The Pilgrim), Chaplin estava pronto para filmar para a United Artists. O novo filme era o septuagésimo segundo de sua carreira. Seu papel era bem pequeno, o que confundiu o público, mas no filme seguinte ele trouxe de volta o Vagabundo, de forma mais criativa que nunca.
Uma vez mais escolheu os temas mais desconcertantes como fonte inspiradora, e uma vez mais dedicou o seu gênio humorístico para atacar uma grande injustiça social. Leu sobre os percalços dos garimpeiros de ouro em Klondike e decidiu fazer Em Busca do Ouro (The Gold Rush), um de seus mais importantes filmes.

No filme Em Busca do Ouro, Chaplin come sua bota. Com os cômicos maneirismos de quem come um prato especial, ele demonstra realmente estar se deliciando com a refeição. (A bota era na verdade feita de alcaçuz!) O realismo era demonstrado por suas expressões, e a maneira com que mastigou cada bocado é outra tirada brilhante de sua habilidade como mímico.

Era recheado de invenções cômicas, mas havia momentos patéticos também. O pobre Carlitos teve de enfrentar inúmeros problemas para preparar um jantar para a jovem que amava e para suas amigas. Ninguém compareceu. No final, Carlitos conquistou a moça e encontrou ouro.
Não havia nenhum dos efeitos eletrônicos de hoje. Tudo era obtido através da construção de elaborados modelos, da invenção de mecanismos inteligentes, do cálculo das tomadas de câmera — e do corte.
Para as filmagens das montanhas e das nevascas foram necessários 73 mil metros de tábuas, 7 mil metros de gesso, 285 toneladas de sal, cem barris de farinha e quatro carretas de confete. Chaplin usou mais rolos do que de costume: rodou 70 mil metros de filme, que foram reduzidos para 2,6 mil metros!

Famosos internacionalmente, os filmes de Chaplin e os cartazes publicitários foram traduzidos em muitas línguas.

Mas, se nas telas a história de Chaplin teve final feliz, na vida real foi bem diferente.
Em novembro de 1924, Chaplin casou-se com Lita Grey. Não era um casamento mais sábio do que o primeiro. Tiveram dois filhos — Sydney e Charles —, mas o casamento ia de mal a pior e, em 1926, Lita foi embora com as crianças. Charles superou a separação muito bem, mas este seria outro período negro de sua vida.

Perfeição

Apesar da turbulência em sua vida íntima, Chaplin prosseguiu e filmou O Circo (The Circus). O trabalho era feito com dificuldade, quando em setembro de 1927 um incêndio no estúdio destruiu totalmente o cenário. Mas ele simplesmente continuou.
Chaplin levou apenas uma semana para aprender a andar na corda bamba. O suspiro de alívio ao término das filmagens transformou-se em suspiro de exasperação. O laboratório arruinou todas as cenas respectivas — e ele teve de fazer todo o trabalho de novo. Ao final, haviam sido produzidas setecentas tomadas na corda bamba — tudo isso para apenas alguns minutos no filme.
Talvez as filmagens dentro da jaula dos leões tenham sido mais apavorantes. Foram necessárias duzentas tomadas para completar a sequência — e Chaplin diria mais tarde que o pavor em seu rosto não era simplesmente encenação!
O divórcio de Lita e os impostos deixaram Chaplin com necessidade premente de dinheiro. Terminado O Circo, iniciou em seguida Luzes da Cidade (City Lights).


Cartaz anunciando o filme Luzes da Cidade. Pôsteres com figuras estilizadas de Chaplin se espalhavam por toda a parte, ao Iado de centenas de brinquedos e de imitações do Vagabundo. Ele era imensamente popular. Todos queriam um pedaço da história de sucesso de Chaplin.

Mas haveria outro golpe. Em 28 de agosto de 1928 sua mãe morreu. Hannah estava muito doente, mas, no dia anterior à sua morte, ela e Chaplin haviam rido muito. À noite entrou em coma e só retomou a consciência por um momento antes de morrer.
Observar o sofrimento dela tinha sido demais para ele. De pé ao lado da cama, viu a morte levar toda a confusão e dor que ela havia vivido. Recordou as músicas e as histórias, o verão com sorvete, e chorou.
Sobre Hannah, ele disse: "Se não fosse por minha mãe, duvido que tivesse feito sucesso na pantomima. Ela foi uma das maiores artistas de pantomima que já vi".
Nos três anos seguintes, Chaplin fez três dos seus melhores filmes: Luzes da Cidade, em 1931, Tempos Modernos (Modern Times), em 1936, e O Grande Ditador (The Great Dictator), em 1940.
O som chegou ao cinema, mas Chaplin não acreditava nele. Acreditava que a linguagem da mímica podia atravessar fronteiras de uma forma que as palavras faladas jamais conseguiriam. Mesmo quando a Warner Brothers lançou As Luzes de Nova York (The Lights of New York), o primeiro filme falado, no momento em que Chaplin começava as filmagens de Luzes da Cidade, ele insistiu no silêncio.
Luzes da Cidade foi talvez o melhor de seus antigos filmes, mas consumiu dois anos de trabalho e aborrecimentos para ser concluído. Nele, o Vagabundo economiza dinheiro para curar uma vendedora de flores cega — que imagina ser ele um milionário. Assim que ela volta a enxergar, o Vagabundo fica muito nervoso ao contar-lhe quem deu o dinheiro...
Chaplin queria perfeição e filmava pequenas cenas várias vezes. Uma vez terminado o trabalho, não se imaginava a luta que fora para realizá-lo. Era um filme bem balanceado, repleto de humor e ternura. Gastou 95 mil metros de filmes para reduzi-los a 2,5 mil metros. O que restou foi uma obra-prima.

Charlie voltou para Londres em 1921. A multidão aglomerou-se à porta do Ritz Hotel — não muito longe das ruas miseráveis em que passou a infância.

A estreia em Londres foi em fevereiro de 1931 — e Chaplin viajou até lá para presenciá-la.


Velhos tempos

Desta vez, foi visitar sua antiga escola em Hanwell, onde as recordações o assaltaram. A visita pareceu trazer-lhe o passado de forma mais vívida, afastando os antigos pesadelos.
Chaplin encontrou poucas lembranças em seu país de origem e irritou-se com muitas pessoas por seu discurso sobre "patriotismo". Já havia presenciado a que o patriotismo conduzia: à ignorância cega e ao fanatismo.
"O patriotismo é a maior insanidade que o mundo já sofreu. Há poucos meses, estive por toda a Europa. O patriotismo está irrompendo em todos os lugares e o resultado será outra guerra".
Ele estava certo... embora tenha sido necessário esperar oito anos para que a nova guerra irrompesse.
Chaplin foi então para o Extremo Oriente, onde seria recebido tão calorosamente quanto na Europa. O silêncio de Carlitos não precisava de tradução. O Pequeno Vagabundo era um amigo universal.

De volta a Hollywood

Chaplin voltou a Hollywood em junho de 1932. Estava com 43 anos e bastante desiludido com todo o sofrimento e a miséria que havia presenciado em suas viagens. Tentou planejar um sistema econômico que pudesse solucionar problemas universais como desemprego, pobreza e injustiça. Não conhecia o suficiente para compreender a complexidade das dificuldades, e o seu sistema poderia não dar certo.
Mas o que podia fazer era um filme.
Assim, sua produção seguinte foi Tempos Modernos. Nele, o Vagabundo aparece em um mundo em que o dinheiro significa mais que o ser humano, que é tratado como engrenagem de uma máquina gigantesca. No final ele foge com a mulher que havia ajudado. Como sempre, o filme tinha como base a comédia, e Chaplin teve a resposta dos 5 milhões de desempregados dos Estados Unidos. Nos primeiros filmes, o Vagabundo era pobre, mas em Tempos Modernos ele é um entre os milhões de pessoas comuns que enfrentavam as péssimas condições de trabalho nas fábricas, as greves, o baixo salário e o desemprego.
Alguns anos mais tarde, Tempos Modernos foi apresentado como prova de que Chaplin era comunista.

Em Tempos Modernos, Chaplin aborda a monotonia e o tédio nas linhas de montagem da indústria moderna. Como na maioria de seus filmes, crítica, com humor; um importante aspecto da sociedade.


Chaplin apaixona-se pela atriz que faz o papel da moça desamparada no filme, Paulette Goddard, e eles se casam.
Em breve, Paulette descobriria que não era fácil viver com Chaplin, um homem que se irritava por pequenas coisas. Ela era uma jovem inteligente e talentosa e achou que seria difícil submeter-se a isso. Sem alarde, construiu uma carreira própria e, em 1942, depois de sete anos, o terceiro casamento de Chaplin chegava ao fim.

Segunda Guerra Mundial

Começava o ano de 1938. Chaplin acertara. A guerra estava para irromper. Na Alemanha, o partido nazista, liderado por Adolf Hitler, obteve maioria. Grupos minoritários, compostos especialmente de judeus, estavam sendo assassinados como parte de um plano para "purificar a raça". Em comícios gigantescos, Hitler arrastava o povo alemão ao frenesi do patriotismo e da ambição.
Por estranho que pareça, poucas pessoas fora da Alemanha percebiam o que estava acontecendo lá. Muitos viam Hitler não como um perigoso fanático, mas como um palhaço pomposo. Chaplin teve a oportunidade de observar acontecimentos na Alemanha e na Espanha que o deixaram cada vez mais preocupado.
Em outubro de 1938, começou a trabalhar em um filme chamado O Grande Ditador, no qual tentava alertar a humanidade contra o perigo do magnetismo popular de Hitler. Ele imitou este em dois papéis: no do ditador Heinkel e no do alfaiate judeu, que era seu sósia. Os dias de improvisação e mudez haviam terminado. Agora havia um roteiro — e som.

O Grande Ditador foi um filme sobre a atualidade, iniciado em I938, numa tentativa de alertar a população contra o perigo da ideologia de Adolf Hitler, num momento em que o mundo se encontrava em convulsão. Como sempre, Chaplin usou a comédia para abordar assuntos sérios e profundos, mas pela primeira vez chegou a lamentar uma realização. Mais tarde disse que não teria feito o filme se soubesse dos campos de concentração que Hitler mandara construir para matar milhões de judeus.

O filme era uma comédia maravilhosa, mas Chaplin sentiu a necessidade da fala. O pequeno alfaiate, que troca de lugar com Heinkel, faz um longo discurso implorando às forças armadas para voltar à razão.
"Vamos lutar por um mundo racional, um mundo onde ciência e progresso proporcionem a todos os homens a felicidade. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos".
Foi uma atitude sem esperança. Quando o filme foi distribuído, em 1940, toda a Europa estava em guerra e o mundo inteiro já se havia dado conta do que estava acontecendo.
Perseguição
Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos não haviam entrado no conflito, mas, no dia 7 de dezembro de 1941, os japoneses atacam Pearl Harbor e os americanos são forçados a entrar na guerra.
Charlie Chaplin estava perturbado pelo fato de os Estados Unidos, país que amava tanto, parecerem não se dar conta dos sofrimentos dos aliados russos, que resistiam aos ferozes ataques dos invasores alemães com incrível coragem.
Ele não confiava no líder russo, Stálin, mas respeitava profundamente o povo russo e pediu, em muitas assembleias, "ajuda militar para a Rússia", irritando o público por tratá-los de "camaradas".
Chaplin disse: "Não sou comunista. Sou um ser humano e acho que conheço as reações do ser humano. Os comunistas não são diferentes: quando perdem um braço ou uma perna sofrem tanto quanto nós, e morrem da mesma forma que nós. E a mãe comunista é mãe como qualquer outra: quando recebe notícias de que seus filhos não voltaram, ela chora como as outras mães".
Vinte milhões de russos morreram na guerra. Mesmo assim, as palavras de Chaplin voltaram-se contra ele anos depois.

Os cartazes publicitários continuavam a aparecer no mundo todo, mesmo enquanto Chaplin respondia a um desgastante processo. Seus filmes pareciam ter vida própria, independentemente dos problemas pessoais de seu criador.

Enquanto isso, ele enfrentava problemas pessoais. Uma mulher perturbada mentalmente, Joan Barry, bateu à sua porta com um revólver, ameaçando matar-se e anunciando que ele era pai de seu bebê. Embora fosse comprovadamente uma mentira, o processo ficou três longos anos em julgamento.


Mas Chaplin não enfrentaria sozinho essa situação. Em 1942, encontrou uma jovem, filha do grande dramaturgo Eugene O'Neill. Tinha apenas 17 anos e meio, e os dois se apaixonaram perdidamente.
Seu nome era Oona.
Ela irradiava serenidade, delicadeza e timidez que a distinguiam, mas Chaplin também viu na jovem inteligência e coragem.
A mãe de Oona aprovou o plano de casamento, mas, talvez impensadamente, o pai foi contra. Afinal de contas, Chaplin tinha 54 anos e já havia se casado três vezes. Oona e Chaplin resolveram esperar que ela completasse 18 anos para se casarem, pois, então, não precisariam do consentimento do pai.

O amor e o grande apoio de sua quarta mulher, Oona, deram força a Chaplin para enfrentar os momentos difíceis. Embora muitos não aprovassem a união devido aos 36 anos de diferença entre eles, foi este o relacionamento mais perfeito e duradouro da vida de Chaplin.

Assim, a 16 de junho de 1943, Chaplin e Oona casavam-se. Geraldine, a primeira filha do casal, nasceria no dia 1º de agosto de 1944.
Em janeiro de 1945, Chaplin começou a trabalhar em Monsieur Verdoux, mais uma vez uma comédia noire baseada numa realidade macabra.
O Vagabundo se fora. Em Verdoux, Chaplin aparece como um sofisticado cavalheiro grisalho, que mata para melhorar sua renda. Foi a sua mais amarga sátira: o outro personagem era Landru, um fabricante de armamentos tratado como um homem de negócios respeitável, apesar de responsável pela morte de milhares de pessoas. Verdoux, o pequeno assassino, é executado. O fabricante de armas continua o seu negócio.

Em Monsieur Verdoux não há qualquer sinal do Vagabundo.

Findo o caso Barry, Chaplin parecia ter encontrado um período de paz e felicidade. Os Estados Unidos, porém, estavam afetados por uma espécie de loucura: um medo obsessivo e rancoroso do comunismo.

Um cidadão do mundo

Em lugar de fazer-lhe perguntas sobre o filme Verdoux, os repórteres o acusavam de ser simpatizante do comunismo. E não deram atenção às tranquilas e razoáveis respostas às suas questões.
De bom grado, Chaplin admitiu que havia admirado a coragem dos russos durante a guerra e que tinha amigos liberais. Disse também que tinha orgulho de amizades como a do ator negro Paul Robeson e do dramaturgo Berthold Brecht, ambos comunistas. Chaplin sempre havia sido grato aos Estados Unidos por tudo o que haviam proporcionado a ele, mas, primeiro e acima de tudo, considerava-se um cidadão do mundo.
Disse claramente: "Não sou comunista. Sou um embaixador da paz".
As pessoas perspicazes ficaram aturdidas com a perseguição desencadeada e Chaplin se sentiu amparado por esse apoio, mas a Comissão de Atividades Antiamericanas estava crescendo, ganhando poder e um fanatismo histérico. Qualquer um que houvesse participado de uma organização de esquerda, ou apenas simpatizado com qualquer uma delas, corria risco de ser acusado de traidor da pátria.
Os Veteranos de Guerra Católicos começaram a pedir a deportação de Chaplin. Nessa época, ele foi interrogado durante quatro horas pelo FBI. Inquiriram-no sobre sua vida pessoal e sua origem racial. Corajosamente se recusou a dizer, sem rodeios, que odiava os comunistas.

"Sou um artista, não um político". Charlie Chaplin

Apesar desse clima de perseguição, ele inicia um novo filme. Não tinha condições de deixar o estúdio ocioso.
Luzes da Ribalta (Limelight) começa a ser rodado, contando a história de um ator de music hall de meia-idade e de uma jovem a quem ele ajuda a obter sucesso. As lembranças de Londres e a vida no palco que havia conhecido quando menino estão em Luzes da Ribalta. Era sentimental — mas a comédia-pastelão e o sentimentalismo do velho music hall permeiam a maioria de seus filmes.

              Maquiando-se para o papel de um comediante decadente em Luzes da Ribalta. Chaplin dizia: "Trabalhar é viver — e eu amo viver".

Sydney e Oona apoiaram Chaplin. Michael, o segundo filho do casal, nasceu em 1946, e Josephine, em 1949. Victoria nasceria em 1951.

Macartismo

O fanatismo anticomunista nos Estados Unidos encontra um novo porta-voz, ainda mais lunático. Em 1950, o senador Joseph McCarthy declara dispor de uma lista com duzentos nomes de comunistas no Departamento de Estado. Nessa nova onda de histeria que assolava o país, qualquer pessoa podia ser acusada de exercer atividades antiamericanas e ser levada a julgamento, interrogada e aviltada por McCarthy e seu bando. O medo crescia. Pessoas honestas, inteligentes, talentosas perdiam o emprego e tinham a reputação destruída. Havia mentiras por toda a parte. Muitos usavam McCarthy para saldar velhas dívidas — ou para salvar a própria pele, acusando inocentes.

Um forte sentimento coletivo anticomunista nos Estados Unidos desencadeou, em 1950, uma terrível “caça às bruxas” aos simpatizantes comunistas, liderada pelo senador McCarthy. Na foto, membros do Comitê McCarthy durante o julgamento de um cidadão acusado de ser comunista. Por acreditar firmemente na humanidade, Chaplin estava entre as muitas pessoas que tiveram sua vida investigada. Foi, finalmente, exilado e só voltou aos Estados Unidos vinte anos depois.

Hollywood foi particularmente vulnerável. Alguns homens e mulheres corajosos lutaram contra essa loucura — mas muitos perderam tudo e nunca mais foram contratados pela indústria cinematográfica.
Assim que terminou Luzes da Ribalta, Chaplin decidiu ir a Londres para a estreia. No segundo dia de viagem, em alto-mar, recebe a notícia de que estava proibido de voltar aos Estados Unidos.
Ele fora exilado.

Amor no exílio

Chaplin foi recebido calorosamente em Londres e aclamado como gênio. Nos Estados Unidos, os ferozes ataques prosseguiam, mas alguns jornais mantiveram a cabeça no lugar:
"Chaplin é um artista, cujo brilho e talento iluminaram o seu país de adoção e trouxeram alegria ao mundo", escreveu o The Nation.
O FBI, porém, continuava a interrogar os seus empregados e familiares, em busca de material que pudesse manchar o nome de Chaplin. Lita Grey, que fora sua esposa há 25 anos, foi interrogada, mas, corajosamente, não disse nada que pudesse prejudicá-lo.
Como Chaplin não podia voltar, resolveu ir com a família para a Suíça. Em janeiro de 1953 eles se estabeleceram em uma bela casa em Corsier-sur-Vevey, que viria a ser a residência de Chaplin até o fim da vida.

                                      Chaplin, na meia-idade, manteve o charme e a elegância.

Se os Estados Unidos o haviam condenado, ele tinha sua família — agora com cinco filhos: Geraldine, Michael, Josephine, Victoria e Eugene — e a aclamação do resto do mundo.

Reconhecimento

Em maio de 1954 Charlie Chaplin foi agraciado com o prêmio do Conselho Mundial de Paz. O dinheiro recebido foi destinado aos pobres de Londres e Paris. Então começou a rodar um novo filme — Um Rei em Nova York (A King in New York) — que, infelizmente, não obteve sucesso. Era um ataque ao macartismo e talvez a amargura tivesse sufocado o gênio.

                   Na estreia de Um Rei em Nova York, em Londres, a multidão rompeu a barreira policial para se aproximar de Chaplin.

Charlie e Oona tiveram mais três filhos: Jane, em 1957, Annette, em 1959, e Christopher, em 1962. A família Chaplin estava completa.
Ele, que não recebera uma educação apropriada, torna-se doutor honorário das universidades de Oxford e Durham, em 1962.
No meio das alegrias também havia tristezas. No dia de seu aniversário, em 1965, Charlie recebeu a notícia da morte de seu irmão, Sydney.
Em 1971, é condecorado em Paris com a Grande Medalha de Vermeil e, em 1972, os Estados Unidos o redescobrem.

O perdão americano

McCarthy e seus capangas, que haviam destruído a felicidade de tantos homens e mulheres, tornam-se totalmente desacreditados em 1954, quando se descobre que haviam apresentado provas falsas.

A fluidez de movimento, a dança e o sorriso — apesar da idade avançada, Chaplin não perdeu a perícia. O público se encantava, como sempre.


Os Estados Unidos, então, abrem os braços para Chaplin mais uma vez e ele é cumulado de prêmios. Los Angeles, que o havia banido da sua Calçada da Fama, apressadamente reescreve seu nome nela. Foi aclamado calorosamente em Nova York e agraciado com o Medalhão Handel. Em Hollywood, recebeu o Oscar da Academia, sob grande aclamação. O cortejo laudatório prosseguia. Em Veneza, a Praça São Marcos foi transformada em um cinema ao ar livre para apresentar Luzes da Cidade, e Charles foi o ganhador do Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza.

Sir Charles Chaplin

Pouco antes de completar 86 anos, em 1975, Charlie, que havia sido uma das crianças pobres de Londres, foi condecorado pela rainha Elizabeth II. Passou a ser Sir Charles Spencer Chaplin.

                                   Charles foi recepcionado e premiado no mundo inteiro, especialmente nos Estados Unidos. O grande comediante, que tanto fizera pelo cinema e pelo público de todo o mundo, era novamente bem-vindo ao país que adotara como seu e ao qual tanto se dedicara.

Depois de uma vida de muito trabalho, grandes sucessos e grandes sofrimentos e provações, Chaplin parecia entrar em uma época dourada. Com a idade avançada, estava mais fraco, porém amava o trabalho como sempre.
"Trabalhar é viver — e eu amo viver", dizia.
Charlie Chaplin falava em fazer outro filme, mas estava muito velho e fraco para isso. Por muito tempo, Oona cuidou dele sozinha, não queria que ninguém a ajudasse. Só no final foi persuadida a aceitar a ajuda de uma enfermeira.

A família Chaplin: Oona e Charlie tiveram oito filhos e estiveram casados durante 34 felizes anos.

A véspera de Natal de 1977 chegou e a casa estava transbordando de filhos e netos. Papai Noel apareceu para distribuir os presentes que se encontravam na árvore reluzente. Então, quando foi para o quarto, Chaplin deixou a porta aberta para poder compartilhar os ruídos de alegria e excitação que tomavam a casa.
Na manhã seguinte, quando foram acordá-lo para lhe desejar Feliz Natal, encontraram-no morto. O grande Charles Chaplin morreu dormindo. Tinha 88 anos de idade, vividos intensamente.
Para quem proporcionara tanto riso e coragem ao mundo, esse era um belo dia para deixá-lo.





Datas importantes

1889  16 de abril: Charles Spencer Chaplin — Charlie Chaplin —  nasce em Londres.
1894  Aos 5 anos, Chaplin faz sua primeira apresentação no palco.
1895  Hannah, mãe de Chaplin, é internada na Enfermaria Lambeth.
1896  Chaplin e seu irmão, Sydney, ingressam na Hanwell School, para crianças pobres.
1898  Aos 9 anos, Chaplin abandona a escola.
           Em dezembro, entra para o grupo Os Oito Garotos de Lancashire.
1903  Hannah é internada no asilo Cane Hill. Ela seria internada várias vezes ao longo da vida.
           6 de julho: Chaplin estreia no papel de Sam na peça Jim, um Romance de Cockayne.
           27 de julho: aos 14 anos, Chaplin estreia em Londres com a peça Sherlock Holmes e viaja
           em turnê com a companhia.
1908  Chaplin assina seu primeiro contrato com Fred Karno.
1910  Chaplin viaja pela primeira vez aos Estados Unidos.
1913  Aos 24 anos, Charlie Chaplin começa a trabalhar na Keystone, em Hollywood.
1914  Fevereiro: estreia Carlitos Repórter, o primeiro de uma série de 35 filmes que Chaplin fez
           com Keystone.
           Junho: estoura a Primeira Guerra Mundial e Chaplin é criticado por não se alistar.
           Dezembro: Chaplin se transfere para a companhia Essanay, onde faz catorze filmes.
1915  Abril: estreia de O Vagabundo.
1916  Chaplin assina contrato com a Mutual Films Corporation e dez filmes são distribuídos
           neste ano. Estava com 27 anos.
1917  Junho: estreia de O Imigrante.
1918  Janeiro: Chaplin inicia as filmagens de Vida de Cachorro usando luz artificial pela
           primeira vez.
           Outubro: Ombro Armas entra em cartaz — um mês antes do armistício da Primeira
           Guerra Mundial.
           23 de outubro: aos 29 anos, Charles Chaplin casa-se com Mildred Harris.
1919  Com Douglas Fairbanks e Mary Pickford, Chaplin cria a United Artists.
1920  Novembro: Charles Chaplin e Mildred Harris se divorciam.
1921  O Garoto entra em cartaz.
           A mãe de Chaplin, Hannah, vai morar com o filho nos Estados Unidos.
1923  Chaplin discursa na Associação Americana para a Saúde Infantil.
1924  Aos 35 anos, Charles Chaplin casa-se com Lita Grey.
1925  Nasce o primeiro filho de Chaplin e Lita: Charles Spencer Chaplin Junior.
           Estreia Em Busca do Ouro.
1926  Nasce Sydney Earle Chaplin, o segundo filho do casal.
1927  Lita Grey pede o divórcio.
1936  Chaplin, aos 47, casa-se com Paulette Goddard.
1938  Chaplin começa a filmar O Grande Ditador, que estrearia em 1940.
1939  Setembro: início das Segunda Guerra Mundial.
1941  7 de dezembro: os Estados Unidos entram na guerra.
1942  Charles Chaplin e Paulette Goddard se divorciam. Chaplin conhece Oona O'Neill.
1943  16 de junho: Chaplin e Oona se casam. Ela tem 18 anos e ele, 54.
1944  Agosto: nasce Geraldine, a primeira dos oito filhos do casal.
1945  Janeiro: Chaplin faz Monsieur Verdoux, o seu primeiro filme falado.
1947  Charles Chaplin é acusado de atividades antiamericanas e de ser comunista.
1952  Chaplin é exilado dos Estados Unidos.
1953  Janeiro: a família Chaplin muda-se para Corsey-sur Vevey, na Suíça.
1954  Maio: Charlie recebe o prêmio do Conselho Mundial de Paz e destina o dinheiro aos
           pobres de Paris e Londres.
1962  Nasce Christopher Chaplin, completando os oito filhos do casal: Geraldine, Michael,
           Josephine, Victoria, Eugene, Annette e Jane. Charlie recebe o título de doutor honoris
           causa pelas universidades de Oxford e Durham, na Inglaterra.
1971  Em Paris, Chaplin recebe a Grande Medalha de Vermeil.
1972  Chaplin é redescoberto pelos Estados Unidos: seu nome é gravado na Calçada da Fama,
           em Los Angeles, e ele recebe o Oscar.
1975  4 de março: Chaplin é condecorado pela rainha Elizabeth II.
1977  25 de dezembro: depois de ter realizado mais de oitenta filmes, Sir Charles Spencer

           Chaplin morre dormindo, aos 88 anos de idade.

Filmes indicados

O Garoto — Charles Chaplin (o Vagabundo), Jackie Coogan (o Garoto). Estreou em 1921, mas
                       continua sendo um clássico do cinema.
Em Busca do Ouro — Charles Chaplin (o Explorador Solitário), Georgia Hale (Georgia). Essa fina
                                       comédia entrou em cartaz em 1925 e Chaplin alcançou grande êxito,
                                       apesar de seus parcos recursos. Dizem que este é o filme pelo qual
                                       Charles Chaplin gostaria de ser lembrado.
Luzes da Cidade — Charles Chaplin (o Vagabundo), Virginia Cherrill (a Garota Cega). Com
                                   componentes alegres e tristes, o filme estreou em 1931. O Vagabundo é,
                                   ao mesmo tempo, perdedor e vencedor, como na maioria das vezes.



CHARLIE CHAPLIN é um volume da Série Personagens que mudaram o mundo - Os grandes humanistas
Autor deste volume: Anna Sproule
Editor da obra original: Helen Exley
Tradução: Matilde Leone
Edição: Esníder Pizzo
Copyright Anna Sproule, 1992 - Copyright Exley Publications, 1992
Copyright 1993 by Editora Globo S.A. para a língua portuguesa, em território brasileiro.